segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A PRÁTICA REFLEXIVA DO PROFESSOR: Entre os limites e as possibilidades no Colégio Estadual do Paraná

Alexandro Muhlstedt1
Profª Drª Lucimar Rosa Dias2
Resumo:

O presente trabalho é resultado das ações empreendidas no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ancorado na metodologia da pesquisa-ação, buscou compreender os processos de construção da profissionalidade, destacando a escolha profissional e as possibilidades de reflexão sobre a prática de um grupo de professores do Colégio Estadual do Paraná, de Curitiba. A partir do exame de depoimentos recebidos por e-mail e coletados em encontros na hora atividade, entre os anos de 2013 e 2014, buscou-se compreender como esse grupo de professores constrói a sua prática pedagógica e os elementos de reflexividade no ensino. Os dados mostraram como se deu a entrada na profissão, a construção da identidade profissional, as razões de permanência na atividade docente e as adversidades da profissão. Permeado por observação das práticas reflexivas e processos dialógicos foi possível, ainda, compreender o cotidiano pedagógico da sala de aula. Com isso, a pesquisa mostrou que os motivos e interesses pela docência surgiram na infância; por influência familiar; por necessidade financeira ou por circunstâncias do momento histórico e que a formação identitária do professor abrange o profissional e o pessoal. Percebeu-se também que aspectos de valorização profissional são fundamentais para a permanência na profissão, sendo que a hora atividade, como espaço de diálogo, é uma condição que promove a humanização do trabalho do professor, possibilita a reflexão sobre o seu fazer pedagógica e o redirecionamento de sua prática. O estudo ancora-se em autores como SCHÖN (1997, 2000), NÓVOA (1992, 1995, 2008), FREIRE (1996) e TARDIF (2000, 2012).

Palavras chave: Profissionalidade docente; Escola pública; Prática reflexiva; Hora atividade.



INTRODUÇÃO

Este trabalho faz parte das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (política para a formação continuada dos professores da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná), desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e foi elaborado a partir de dados e informações coletados junto a um grupo de professores do Colégio Estadual do Paraná (CEP). Este colégio é o maior do Paraná (quase 6.000 alunos e em torno de 400 profissionais) e uma das unidades escolares mais antigas do estado, atendendo alunos do Ensino Fundamental – Séries Finais, Ensino Médio e Educação Profissional. A par disso, importa salientar que há no CEP condições especiais de infraestrutura e na atuação dos professores no que tange aos encontros semanais de estudos e reflexões, o que não reflete as práticas que ocorrem na maioria das outras escolas estaduais. Por certo, essas condições forjam um caráter diferenciado que, talvez, não constitua a realidade de outras instituições públicas de ensino.
Sendo o CEP a escola em que o autor desse trabalho atua na função de pedagogo, evidencia-se que o interesse pela compreensão de como o professor constrói a sua prática reflexiva é decorrente das vivências profissionais do mesmo junto a professores de instituições públicas estaduais. Três instituições públicas estaduais (Centro de Estudos Supletivos, Colégio Estadual Santo Antonio – ambas em Pinhão/PR - e Colégio Estadual Professor Francisco Zardo – em Curitiba/PR) foram locus de ação do autor e possibilitaram observações, vivências, discussões e reflexões que despertaram motivações para analisar com mais profundidade a prática docente. Tais indagações aparecem motivadas pelo interesse em refletir, revisitar, reelaborar e, sobretudo, analisar as formas de ser professor, a atuação coerente e os limites impostos pelas situações políticas e sociais em virtude das condições objetivas da escola. Nesse sentido, ao mesmo tempo que analisa as práticas docentes, também constrói junto com o professor, um processo de ensino dialógico e reflexivo.
Ao logo da trajetória profissional, tem se observado que o professor da escola pública estadual vivencia inúmeras situações adversas e enfrenta diferentes condições de trabalho. Analisar a prática pedagógica desse professor torna-se, então, um exercício delicado que exige sensibilidade e senso crítico, uma vez que envolve histórias de vida, processos culturais, crenças, posicionamentos, pensamentos, valores, enfim, as verdades de cada um. Por isso, requer o estudo de autores que se debruçam sobre o tema. Assim, autores como António Nóvoa, Paulo Freire, Maurice Tardif, José Contreras e Donald Schön contríbuíram para melhor compreensão do fenômeno oriundo das práticas dos professores.
Entre esses autores, um dos mais marcantes é Donald Schön, professor do Massachusetts Institute of Techonology, nos Estados Unidos, desenvolveu a abordagem do Professor Reflexivo, que tornou-se, nos anos de 1980, um novo parâmetro na formação do professor cujo entendimento está baseado na concepção do ensino como atividade reflexiva.

No Brasil, o trabalho de Schön será amplamente conhecido a partir de 1990, com a publicação do livro Os professores e a sua formação, organizado por António Nóvoa, com a contribuição de Schön e autores como Pérez-Gómez e Zeichner. A fundamentação teórica de Schön acerca do professor reflexivo e da reflexão sobre a prática parte de seus estudos da obra de Polanyi, Luria e Dewey. Em especial John Dewey (1859-1952), que foi um filósofo, psicólogo e educador norte-americano que influenciou, de forma determinante, o pensamento pedagógico contemporâneo, balizou o que se pode chamar de a “cultura reflexiva” no ensino. Suas obras foram fundamentais para que o movimento da Escola Nova tomasse impulso e se propagasse por quase todo o mundo, sendo citado, por muitos, como o pai da educação progressista. O enfoque que dava à pedagogia era voltado à experiência prática, sendo, por isso, às vezes, chamada de fazendo e aprendendo.
Como o eixo da proposta de Schön está na valorização da experiência para a construção de uma epistemologia da prática, Dewey será referência para entender as bases do professor reflexivo. Para Dewey (1979) “o estágio inicial do ato de pensar é a experiência”. Pode-se entender, portanto, que sua análise é centrada no significado da experiência, cuja característica principal é ser constituída experimental e vivencialmente.
A maneira como Schön relaciona conhecimento e ação expõe o significado da reflexão para o autor, elemento fundamental na formação do professor. Para Dewey e, por extensão, para Schön, a reflexão é um processo de imersão consciente e intencional do sujeito na experiência para conhecer as relações entre as coisas. Schön proporá uma epistemologia da prática centrada na construção do conhecimento a partir da experiência (prática) do professor. Trata-se de uma epistemologia inspirada nos processos intuitivos e artísticos utilizados por profissionais quando enfrentam problemas singulares. O professor é um profissional entendido como um prático reflexivo cuja competência está centrada na:
[...] análise das práticas [...] quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para a compreensão do mundo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos (PÉREZ-GÓMEZ, 1997, p. 102).
Com base nas estratégias de um profissional competente, isto é, o professor que possui a capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar um problema desafiador, Schön (1997, p. 25) identifica três situações que, são “elevadas à categoria de conceitos: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação” que constituem o que ele chama de “ensino prático reflexivo” (p. 25).
O conhecimento na ação é desenvolvido com base na experiência de ensino. Tal conhecimento decorreria não de uma teoria geral, mas sim do levantamento rápido de recursos para responder à situação “[...] desenhando estratégias de intervenção e prever o futuro dos acontecimentos[...]” (PÉREZ-GÓMEZ, 1997, p.102-103).
A reflexão na ação consiste em um diálogo com a situação, mas um diálogo que não exige a verbalização do professor acerca da experiência. Ela surge diante de algo que não estava previsto numa situação de aula, por exemplo. Em função desse imprevisto, o professor permite-se compreender a razão por que foi surpreendido, reformulando o problema e, por último, testa sua reformulação por meio de uma questão para checar sua hipótese sobre aquilo que formulou com base na situação (SCHÖN, 1997).
A reflexão sobre a ação exige a verbalização do docente uma vez que esta se comporta como uma análise dos processos de sua atuação. Consiste, como sugere Schön, na “[...] utilização do conhecimento para descrever, analisar e avaliar as pegadas que na memória correspondem à intervenção passada” ( PÉREZ-GÓMEZ, 1997, p. 371).
Entende-se que os pressupostos do trabalho do teórico se assentam em práticas reflexivas individualizadas, ou seja, o professor é o responsável por enfrentar os problemas de sua prática pedagógica. Essa proposta reflexiva leva o professor a acreditar que a reflexão sobre a prática possibilitaria por si só as formas de intervenção, de acordo com Libâneo (2002). Contudo, isolado, as transformações que o docente pode propor não ultrapassam o limite imediato da sala de aula.
O lema “[...] o professor é uma pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor.” (NIAS, 1991, apud NÓVOA, 1992, p. 15) traduz a essência da abordagem de formação do professor reflexivo, que reflete a valorização dada à dimensão pessoal e profissional experienciada pelos docentes.
Diante das reflexões desenvolvidas, mediadas pelas contribuições de Schön e demais autores, formularam-se indagações a partir das quais o trabalho realizado buscou ampliar a prática reflexiva que ocorre no Colégio Estadual do Paraná, considerando questões como histórias de vida profissional, as razões de permanência na profissão, as adversidades enfrentadas no cotidiano da sala de aula e o processo de formação continuada dos professores na hora atividade.

1. O processo metodológico

Para analisar as questões referentes às práticas docentes dos professores do Colégio foi utilizada a metodologia da pesquisa-ação. Esta metodologia é muito utilizada em projetos de pesquisa educacional. Segundo Thiollent (2011, p. 23) a pesquisa-ação tem como um dos seus principais objetivos “[...] dar aos pesquisadores e aos grupos participantes os meios de se tornarem capazes de responder com maior eficiência aos problemas das situações em que vivem [...]” e ressalta ainda que “[...] com a orientação metodológica da pesquisa-ação, os pesquisadores em educação estariam em condição de produzir informações e conhecimentos de uso mais efetivo, inclusive ao nível pedagógico [...]” (p. 76), o que promoveria condições para ações e transformações de situações dentro da própria escola, possibilitando reorientar a prática pedagógica. É um tipo de metodologia de pesquisa na qual o pesquisador deve estar empenhado em solucionar algum problema através de uma ação. Portanto, para este tipo de pesquisa, o problema a ser solucionado torna-se objeto de estudo.
Optou-se por um processo metodológico de coleta e de interpretação dos dados utilizados nas pesquisas que se ancoram nessa abordagem. Assim, delinearam-se os seguintes passos:
Num primeiro momento, com a permissão da equipe gestora e pedagógica da escola, em uma reunião pedagógica no mês de junho de 2013, o autor apresentou o objetivo do estudo e solicitou a participação espontânea dos professores. Os que demonstraram interesse foram convidados a escrever e enviar por e-mail suas memórias sobre o momento em que escolheram o curso superior e como aconteceram os primeiros contatos como docentes na escola. Trata-se de coletar dados autobiográficos da vida escolar. Essa estratégia, que vem sendo utilizada nas pesquisas sobre os professores, auxilia na identificação dos sentidos que se atribui ao pensar, fazer e sentir ao longo da trajetória na escola constituindo-se em significativo instrumento para compreensão do desenvolvimento pessoal e profissional.
Num segundo momento, os relatos e histórias dos professores participantes foram recebidos via e-mail, lidos e classificados de acordo com as razões que os levaram à profissão docente e quais foram as situações vividas nos primeiros contatos com a sala de aula.
Num terceiro momento, no segundo semestre de 2013 propôs-se que os professores respondessem, por meio do aplicativo Google Drive3, as seguintes questões: “Quais são os motivos que o mantém na profissão docente?” e “O que é mais desgastante na profissão docente?”. Os dados foram organizados em tabelas e analisados a partir das semelhanças entre as informações.
Num quarto e último momento, no 1º Semestre do ano de 2014, realizaram-se encontros do autor junto a um grupo de professores de Biologia, Ciências e Geografia, com intuito de compreender as formas pelas quais constroem a sua prática pedagógica e como resolvem os problemas que vão aparecendo no dia a dia da sala de aula.
A partir disso, foi possível dialogar, de forma reflexiva, sobre as práticas pedagógicas dos professores que atuam no Colégio Estadual do Paraná. A seguir, serão apresentadas algumas das questões que surgiram ao longo da pesquisa.

2. A entrada na profissão docente

Tendo em vista o propósito de investigar a escolha pela profissão docente, buscando compreender as razões e motivações dessa escolha pelos sujeitos, bem como suas primeiras aproximações com o campo do ensino, optou-se por utilizar o relato escrito dos professores. Através dessa técnica foi possível reunir relatos de sujeitos que têm experências e que partilham alguns traços em comum.
O primeiro passo para esta investigação, ocorrido no primeiro semestre de 2013, foi buscar elementos que expliquem a escolha da profissão docente pelos sujeitos envolvidos. Em reunião pedagógica no mês de junho, os professores participantes foram convidados a contarem a sua história de entrada na profissão docente. Partiu-se do princípio de que os aspectos ligados a vida, práticas, saberes e histórias de professores têm-se configurado como importantes temas das análises contemporâneas. Para isso, leituras de autores como Nóvoa (1995, 1997) e Tardif (2012) contribuiram substancialmente para maiores compreensões sobre a temática. Compreende-se a importância de conhecer melhor a história da formação e desvelar as razões pelas quais tornaram-se professores.
Ao recorrer à memória dos professores que já atuam a algum tempo na docência, tentando fazer o levantamento de suas primeiras vivências em sala de aula, torna-se comum notar a simbiose entre a vida pessoal e profissional. Nóvoa (2000) afirma que a vida do profissional é, antes de qualquer coisa, a vida da pessoa que trabalha como professor. Por isso, a prática pedagógica inclui o sujeito e suas singularidades. Evidentemente adentra em subjetividades que possibilitam inúmeras interpretações, mas o que se quer buscar nesse caso são as questões marcantes nas histórias dos sujeitos que confirguram o desenvolvimento de sua profissionalidade docente.
Da análise dos e-mails recebidos na primeira etapa, destacam-se algumas questões pertinentes que ajudam a compreender as relações constituintes entre os sujeitos e o processo de tornar-se professor.
Referindo-se à questão “como se tornou professor?”, os professores recuperaram a trajetória que os levou à docência. Para alguns professores, a identificação com a docência vem da infância, como nos relatos que seguem:

Minha história começa quando eu tinha apenas 11 anos de idade quando uma professora de Ciências pediu aos alunos fazerem uma maquete do sistema solar. a partir daí comecei a ter interesse em Astronomia”.

Optei pelo curso pelo fato de me identificar com a disciplina desde o Ensino Fundamental”.

Nos relatos surgem imagens idealizadas e marcadas pela memória afetiva, experiências vividas na infância que permanecem como fortes referências nas formas de ser e agir na profissão. São mencionados também os professores-modelo, pessoas cujas características e atitudes marcaram a memória afetiva dos participantes. Tardif e Raymond (2000) relatam pesquisas biográficas que identificam essas fontes de influências como referências importantes na construção do papel de professor e dos esquemas de ação e de interpretação que orientam as práticas docentes, destacando que tais esquemas, em grande parte implícitos e fortemente marcados pela dimensão afetiva, “[...] resistem ao exame crítico durante a formação inicial e perduram muito além dos primeiros anos de atividade docente [...]” (p. 221).

Conheci a docência e muitos exemplos de professores que são apaixonados em ser docentes. Comecei a me espelhar neles e até hoje estou nesta labuta da vida”.

Sempre fui educado no sentido de valorizar a profissão docente. Lembro do quanto admirava e ainda admiro muitos dos meus professores. Para mim, essa profissão significa que ainda podemos construir uma sociedade mais justa, menos desigual, enfim, mais humana”.

A entrada no universo do ensino superior, em diferentes momentos, aparece como opção ou simplesmente como uma circunstância movida pelos contextos vividos pelos sujeitos, bem como pela aprovação no concurso vestibular.

Prestei vestibular e na época poderia se inscrever para dois cursos. Fiz para o mesmo curso em licenciatura e bacharelado. Passei em licenciatura. Mesmo que tivesse passado no bacharelado não poderia fazer, pois o curso era matutino e como não residia na cidade seria impossível estudar, pois nossa situação financeira estava difícil. Então comecei o curso de licenciatura. Morava em outra cidade e trabalhava durante o dia. Às 17h pegava o ônibus dos estudantes e voltava pra casa à 00h30, isto quando a viagem era tranquila, pois se acontecia acidentes ou o ônibus quebrava aí chegava bem mais tarde. O curso foi muito difícil no começo, pois nada sabia do conteúdo e ainda sofri preconceito na universidade por parte de alguns professores, mas venci”.

Cursei Licenciatura Plena. Optei pelo curso pelo fato de me identificar com a disciplina e também pela vontade em ser professor de escola, preferencialmente escola pública”.
Minha primeira opção seria ser Veterinária. Como não consegui passar, então fiz vestibular para curso de licenciatura e passei. Minha família tinha poucas posses, então logo entrei no mercado de trabalho, exercendo atividades da mesma área”.

As primeiras experiências vividas na escola, atuando como professor, aparecem como fatos marcantes na vida dos docentes. A organização da escola, sua localização e sua realidade emergem claramente no choque de realidade que é experienciado de um modo singular, marcante e, via de regra, com indícios negativos que aos poucos tornam-se desafiadores e edificantes.

Tive a experiência de lecionar em uma aldeia indígena tanto para ensino médio quanto para jovens e adultos. Lecionar para índios não é fácil, pois a língua materna deles é o kaingang, e por este motivo tive muita dificuldade de comunicação”.
Minhas primeiras experiências foram no estágio supervisionado, quando, em diversas oportunidades me deparei sozinho com os estudantes, sem a presença do professor das turmas. Foram marcantes pelo fato dos estudantes terem se identificado com o trabalho desenvolvido e também pela possibilidade de propor uma aula que fosse muito além das práticas esportivas apenas”.
As primeiras escolas que eu trabalhei foram assustadoras: crianças muito pobres, doentes, a escola caindo aos pedaços... Eu pegava ônibus de linha e várias vezes quase fui assaltada... Obriguei-me a comprar um carrinho velho para facilitar minhas idas as várias escolas de periferia para completar o meu padrão”.

Mesmo em contextos difíceis nos quais, de acordo com a concepção do professor, é complicado trabalhar, aparece a construção de um certo tipo de vínculo que extrapola a relação pedagógica. Há que se considerar as fortes contradições relativas ao “estar professor”, que oscilam entre satisfações e frustrações, entre opção e necessidade. Em que pese que nessa carreira, os que nela estão tenham justificativas para tanto, quer de natureza pessoal (amor por esse trabalho, pelas crianças, horário conveniente) e quer social (contribuir para o avanço social das comunidades), ente outras.

No 4º ano do curso eu parei de estudar por dificuldades financeiras. Então, iniciei minha carreira docente e casei nesse ano também. Mudei para a cidade de localização da Universidade e pude continuar meus estudos, até terminar. No ano seguinte, comecei a lecionar naquela cidade e me apaixonei pela profissão”.
Minha primeira experiência como docente efetivo foi quando atuei como professor em uma escola particular. Lá tive a oportunidade de ser orientado semanalmente por uma pedagoga, discutindo e melhorando a cada aula meu planejamento. Aprendi a planejar melhor as aulas”.

[...] mas o que me foi estranho é que comecei a me apaixonar por essas crianças carentes, lutei várias vezes por elas, passei por fatos que poderiam ficar na história”.

Fui dar aula em uma escola onde tinha uma invasão e me apaixonei pela comunidade. Passava meus dias dentro da vila organizando campeonato, conseguindo cesta básica, entre outros.Um dia estava chegando na escola e vi caminhões da prefeitura, tratores, viaturas, ônibus para levar os moradores presos. Pensei: ‘Meu Deus! Estão destruindo o meu local’. Comecei a pegar os doentes, criancinhas, velhos tudo o que eu podia e colocava dentro da escola para protegê-los, enquanto seus pertences eram jogados em cima de caminhões. Quando acabou, parecia uma praça de guerra. Eu olhei para a Diretora e nos questionamos sobre o que nós iríamos fazer com aquele povo que estava dentro da escola sem ter onde morar”.

A partir da análise dos relatos dos professores, bem como das considerações dos mesmos sobre a profissão docente, foi possível realizar inferência sobre as razões que levaram os sujeitos à profissão docente. Essas razões são variadas pelo conjunto e diversidade de contextos experienciados pelos sujeitos, pelas suas subjetividades, e podem, em certo modo, explicar as opções em manter-se na profissão, que será objeto de investigação futura.
As principais razões, percebidas nos relatos, foram as seguintes:
  • Interesse ou propensão para realizar um determinado curso de nível superior (que não era licenciatura). Como não havia oferta do curso na região onde residia, optou por um curso de licenciatura que se aproximava do seu campo de interesse.
  • Possibilidade de melhorar as condições de vida. Acreditava que a carreira de professor seria uma forma de superar as dificuldades financeiras da família.
  • Facilidade em conseguir emprego. Sempre há vagas para suprir professores que se aposentam, morrem ou saem em licença e pelo crescimento da população (aumento no número de turmas).
  • Interesse, desde a infância, em ser professor. A profissão sempre foi almejada como forma de realização no campo profissional e pessoal.
  • Influência familiar. Muitos membros da família são professores e mesmo sem haver imposição para fazer curso de licenciatura, optou pela carreira.
  • Aquisição do gosto pelo ensino. Mesmo se formando em curso Bacharel, acabou acrescentando a formação pedagógica e desenvolvendo interesse especial pela docência.
  • Influência de um professor modelo enquanto era aluno na educação básica. Experiência com professor cuja prática pedagógica serviu de “inspiração” e impulsionou o interesse pela profissão.
Pode-se notar que as razões, de modo geral, como um projeto de vida e também como carreira profissional, são resultados de fatores que se combinam e interagem de diferentes formas. Isto quer dizer que, ao fazer a escolha do curso de licenciatura em instituição de ensino superior, ou mesmo após ter concluído um curso de Bacharel, o sujeito considerou aspectos de satisfação pessoal e profissional, que envolvem empregabilidade, status, interesses, valores, expectativas e desafios.
A partir disso, evidenciou-se a importância de se conhecer como se deu (e como se dá) o processo de identificação do sujeito com a profissão docente. Para isso, recorreu-se novamente a um grupo de professores para conhecer suas opiniões e analisar os seus pontos de vistas sobre a profissão professor. Esse interesse, genuíno, pelas formas de pensar e agir na profissão, contribui para uma experiência pedagógica importante entre pedagogo e professores.

3. A identidade profissional e a permanência na profissão

Por meio do efetivo interesse pelas opiniões e vivências de um grupo de professores, buscou-se a compreensão dos elementos que efetivam a identificação dos sujeitos com a profissão escolhida. Ocorrida no 2º semestre de 2013, este momento constituiu-se da análise das respostas de um grupo de professores, de diversas disciplinas (Língua Portuguesa, Matemática, Educação Física, Arte, Geografia, Biologia, Sociologia, Filosofia, Química e Física) e diferentes tempos de atuação (entre 02 e 23 anos) sobre a identidade deles com a profissão e a relevância que cada um atribui para a atividade docente. Para isso, utilizando novamente a ferramenta do Google Drive, perguntou-se quais são os motivos que os mantém na profissão e quais são as principais adversidades enfrentadas no dia a dia da sala de aula.
Tais perguntas almejaram compreender os processos de construção da identidade docente. Parte-se do princípio de que a presença de uma identidade própria para a docência aponta a responsabilidade do professor para o seu papel social, emergindo daí a autonomia e o comprometimento com aquilo que faz. Salienta-se que o professor adquire quesitos e forja certas verdades sobre o ensino por meio da formação inicial, experiência, formação continuada, influência social, entre outros.
Assim, a identidade pessoal e a identidade construída coletivamente são essenciais para definir a identidade profissional do indivíduo. A esse respeito Pimenta (1999) define que a identidade profissional

[..] se constrói a partir da significação social da profissão [...] constrói-se também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor confere à atividade docente de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor. Assim, como a partir de sua rede de relações com outros professores, nas escolas, nos sindicatos, e em outros agrupamentos (p. 07).

Por isso, quando se trata da identidade de professores, sujeitos sociais que partilham espaços e tempos na escola, não se pode deixar de considerar que o contexto mais amplo em que estão inseridos interfere profundamente em suas expectativas e percepções. Isso quer dizer que a antiga imagem de um professor como símbolo da autoridade e da providência moral tem sido substituída pela imagem de um adversário a ser derrotado pelo aluno; a imagem da escola como ambiente seguro onde crianças e jovens poderiam desenvolver os valores morais e democráticos é substituída pela imagem de um território conflagrado; a imagem do aluno como aprendiz dócil a ser encaminhado para vida em sociedade é substituída pela imagem de um aluno rebelde, problemático, portador de muitos vícios e de nenhuma virtude. Assim, percebe-se que as expectativas em relação à escola, alunos e professores mudaram radicalmente criando uma espécie de crise na identidade docente.
Segundo Nóvoa (2008), a crise de identidade dos professores, objeto de inúmeros debates ao longo dos últimos pelo menos vinte anos, relaciona-se com uma evolução que foi impondo a separação entre o eu pessoal e o eu profissional desses sujeitos. Para esse autor, a transposição dessa atitude do plano científico para o plano institucional contribuiu para intensificar o controle sobre os professores, favorecendo o seu processo de desprofissionalização. É um processo complexo que abrange a rede de professores, mas pode ser notado no micromundo de uma escola. No grupo pesquisado, particularmente emergem tais questões de modo bastante heterogêneo e muitas vezes contraditório.
Ao receber as respostas dos professores para as duas questões apontadas anteriormente, as mesmas foram lidas, analisadas e agrupadas de acordo com identidades discutidas em aula4 ocorrida durante os estudos do PDE. As identidades percebidas foram: identidade de trabalhador (dimensão política), identidade cientista (dimensão acadêmica) e identidade de educador (dimensão humanizadora).
Numa identidade de trabalhador, foi possível agrupar um conjunto de respostas de parte do grupo de professores, que dizem manter-se na profissão docente em função de aspectos que envolvem tempo de serviço, aposentadoria, número de horas trabalhadas semanalmente, licenças, concurso e estabilidade no emprego. São situações que dizem respeito ao aspecto da profissionalização do professor e em se tratando de professores da escola pública, de questões institucionalizadas e que, em muitos casos, cristaliza uma postura de acomodação. Tende a identificar elementos de questões políticas da profissão.

Em primeiro lugar o amor que tenho pela profissão, depois aparecem o salário, a carga horária, (tenho só 20 horas), dessa forma tenho tempo livre para fazer o que preciso sem faltar ao trabalho”.

O salário, comparado aos outros membros da minha família é um dos melhores. Já estou estabilizada como profissional”.

Do ponto de vista prático: flexibilidade de horários e possibilidade de licenças”.

Penso que hoje é porque trabalho apenas 20 horas e consigo dar conta do recado do jeito que acho que é preciso, mas me privo de uma qualidade de vida melhor, ou seja, o salário não colabora muito, mas penso que o dia a dia do professor exige muito, exige um equilíbrio emocional, exige profissionalismo, o que falta muitas vezes pelo excesso de carga horária”.

Falando a verdade, continuo por conta que está próximo de me aposentar”.

Hoje é a questão de ser concursada e o mercado de trabalho estar competitivo”.

Segurança de emprego, salário razoável se comparado ao mercado e liberdade na execução do serviço”.

Na identidade de educador, as respostas apontam que o professor tem em suas práticas educativas a realização de experiências de natureza teórico-vivencial que se nutrem com os saberes instituídos, mas procuram, cotidianamente, recriá-los e ressignificá-los. Estão carregadas de valores e formas de entender e viver no mundo, conduzindo os estudantes para a formação do ser em aspectos afetivos e relacionais. São posicionamentos fortemente condicionados por apelos morais. Demosntram, em certa medida, a dimensão humanizadora do fenômeno educativo escolar.

São inúmeros os motivos, estar diariamente em contato direto com crianças e adolescentes, e ao mesmo tempo ensinar e aprender, gostar muito do ambiente da escola e sua movimentação em todos os sentidos”.

Colaborar mesmo que minimamente na melhoria da qualidade de ensino, no incentivo à busca do conhecimento, enfim, por amar demais o que eu faço”.

Ainda estou na profissão docente por que gosto do que faço, faço com entusiasmo, carinho e vontade. Preparo as aulas que sempre quis que meus professores desenvolvessem comigo e que muitos dos estudantes de agora gostariam que fossem desenvolvidas. Enquanto tiver este entusiasmo e vontade vou continuar na profissão. Quando não tiver mais brilho no olhar, criatividade e vontade sei que será a hora de parar e fazer outra coisa”.

É acreditar que apesar de muitas turbulências, a educação é primordial para a formação do cidadão, que acredita e participa da construção de seu país e tem orgulho de ser chamado de brasileiro”.

A satisfação de poder ensinar aos outros o que um dia a mim foi ensinado e, mesmo com tantas dificuldades que enfrentamos nesta profissão, o contato e a convivência com os alunos”.

Na atualidade o maior desafio é a manutenção dos adolescentes no mundo esportivo. Hoje eles apresentam outras prioridades, namoro, estudo, idiomas, cursinho, shopping, cinema, internet, qualquer coisa menos treinar e ter responsabilidades. Contribuí diretamente na formação humana, valores obtidos através do esporte, disciplina, espírito de equipe, responsabilidade, compromisso e respeito”.

Na identidade de cientista, o professor pode ser definido como o profissional que detém conhecimento sólido e atualizado em sua área específica. Esse conhecimento é constituído por saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas, etc.). Sobre isso, foi possível agrupar algumas declarações ligadas à socialização dos conhecimentos historicamente construídos e socialmente legitimados. Essa identidade manifesta a dimensão acadêmica e dos conteúdos base do professor.

Os anos de carreira, e por ainda acreditar que a educação (conhecimento) é a solução para o desenvolvimento de um país”.

Vontade de retribuir de alguma forma, pelo conhecimento, as oportunidades que recebi”.

Ensinar o que sei e perceber que o que foi passado foi aprendido é muito gratificante. Perceber os problemas da sala de aula e procurar uma forma de contorná-los torna a docência interessante, mas a vontade de ensinar é o maior motivo”.

Ainda acredito no ato de educar como uma troca de conhecimentos, e tento fazer com que meus alunos vejam em mim as qualidades que eu via em meus antigos professores”.

Esse processo de identificação com a profissão docente conduz, mesmo que inconscientemente, o fazer pedagógico dos professores. As razões pelas quais permanecem na profissão revelam o quanto essa identidade é reconstruída diariamente pela própria prática pedagógica. Vislumbrar novos horizontes, superando as dificuldades, é uma ação fundamental para constituir práticas reflexivas no ensino. Não se pode ignorar, portanto, as adversidades e as dificuldades oriundas das situações intra e extra escolares que, em muitos casos, fazem o professor questionar a própria escolha profissional.
Nesse sentido, ao serem indagados sobre as dificuldades e adversidades que enfrentam no cotidiano de seu trabalho, foi possível agrupar as respostas em duas categorias: uma primeira categoria diz respeito a questões macro e outra categoria relaciona-se com questões micro escolar.
Na primeira categoria, dimensão macro, foram colocadas as respostas que demonstram a percepção dos professores a respeito dos entraves e dificuldades que não são produzidas diretamente na escola, mas que emergem da estrutura pública. São as questões que envolvem falta de segurança, excesso de alunos em sala de aula, baixas remunerações, espaços físicos deficientes e burocracia:

Lidar com o sistema, querer sempre culpar o professor. Exige-se muito e cumpre pouco”.

A falta de comprometimento dos governantes com a educação”.

A falta de segurança devido ao grande aumento de violência dentro e fora do ambiente escolar”.

A falta de remuneração (baixos salários) para tantas horas de trabalho, caso o professor queira preparar boas aulas”.

“Laboratório de informática em péssimo estado”.

O número de alunos em sala de aula, e muitas vezes a falta de suporte na parte pedagógica da escola, por falta de material humano”.

Excesso de alunos em sala de aula (o ideal seria entre 15 e, no máximo, 20 alunos)”.

Espaço pedagógico precário, falta de tomada de atitude das direções escolares em muitas situações, pessoas que estão na escola só pra ocupar espaço, cumprem o protocolo de horários, sem se importarem em fazer algo para realmente auxiliar, nesse caso, em setores de parte pedagógica (professores, pedagogas , bibliotecárias), falta de material extra para ser trabalhado com alunos, promessas não cumpridas dentre outras.”

Burocracia na manutenção dos livros de chamadas”.

Os livros de chamada, sem dúvida nenhuma! Os diários intermináveis de lançamento de conteúdos e preenchimentos de campos (repetidos) por várias páginas”.

Na segunda categoria, agruparam-se respostas de dimensão micro escolar que apresentam reflexões, queixas e constatações a respeito do descaso e desinteresse dos alunos e suas famílias.
Sobre os estudantes, nota-se que boa parte das respostas aponta para dificuldades relacionadas à postura dos mesmos: desinteresse, descomprometimento, falta de respeito, indisciplina, displicência, problemas familiares, atrelando isso ao posicionamento igualmente desinteressados das famílias.

A falta de vontade dos alunos em aprender”.

O desinteresse dos alunos em obter o conhecimento, pois muitos vêm à escola porque são obrigados por lei”.

“Grande desinteresse dos alunos em estudar, que muito pouco ou nada estudam”.

É falta de vontade dos alunos e a negligência dos pais”.

Ter que cuidar de problemas familiares, pois os pais delegam para a escola o dever que é deles”.

A falta de comprometimento dos pais e da presença na escola”.

Aparece também um aspecto que é recorrente no discurso de professores que eles têm de “educar, ao invés de ensinar”, revelando com isso um posicionamento, de certa forma simplista, de que ser professor é apenas repassar conteúdos. Essa afirmação acaba sendo contraditória ao que a maioria respondeu na questão anterior (o porquê se mantém na profissão) na qual aparece a identidade de educador.

Alunos mal educados e sem limites”.

Falta de perspectiva de vida”.

Educar ao invés de ensinar”.

Perder muito mais tempo chamando a atenção dos alunos e tentando manter a ordem do que fazendo o que realmente estudamos e nos especializamos para fazer, que seria ensinar”.

O maior desgaste ainda está em tentar resgatar o respeito mútuo em sala de aula, os alunos não possuem nenhum modelo de respeito vem de suas casas zerados, e é em sala que tentamos passar alguns conceitos básicos”.

Também aparecem certas vivências como a questão do uso de aparelhos de telefones celulares em sala de aula, “falta de educação”, indisciplina e aprendizagens comprometidas.

Competir com os celulares dos alunos e o desinteresse deles por qualquer aula que eu prepare”.

A falta de educação dos alunos, que trazem seus problemas de casa e você tem que "lidar" com eles. São problemas e frustrações que não fazem parte da aula, nem da sala de aula, mas que contamina, desvirtuando todo o processo ensino-aprendizagem. O professor acaba tendo que se voltar para questões existenciais, pois na escola está desembocando todo tipo de problema para a própria escola resolver”.

A falta de respeito pelo profissional e de comprometimento com a escola, muitas vezes os alunos e a família veem o professor como seu inimigo e não como alguém que pode proporcionar um direcionamento positivo”.

O descumprimento das regras preestabelecidas: uma laranja podre estraga todo o pacote”.

Infelizmente hoje os percalços que encontramos são grandes: alunos sem condições de aprendizagem, sem atendimento, falta de limites, de educação”.

Diante do exposto, nota-se que permanecer na profissão faz parte de um projeto de vida que, sendo profissional, também é pessoal. E assim, mesmo com tantos desafios, a existência de coletivos de trabalho contribuem para que o professor busque a superação e novas alternativas de enfrentamento das dificuldades.
Ante a isso, estabeleceu-se a possibilidade de reuniões semanais para problematizar questões do cotidiano da sala de aula e da escola e implementar alternativas pedagógicas para os problemas percebidos. Como prática existente no Colégio Estadual do Paraná, os pedagogos assumem a função de elaborar o projeto de formação continuada dos profissionais da escola para o aprimoramento teórico-metodológico, na forma de trocas de experiências, estudos sistemáticos e oficinas; desenvolver processo contínuo pessoal e profissional de fundamentação teórica; pesquisar e fornecer subsídios teórico-metodológicos para o estudo e atender necessidades do trabalho pedagógico e organizar reuniões de estudo para a reflexão e aprofundamento de temas relativos ao trabalho pedagógico da escola, em especial sobre as questões curriculares.
Desse modo, para concretização e efetivação de um trabalho coerente com as necessidades da escola, o fortalecimento dos encontros semanais de pedagogos e professores é uma prática fundamental para discutir a importância da utilização do espaço da hora atividade, realizando estudos e promovendo um processo de trabalho pedagógico consciente, crítico, ético e coerente com as decisões tomadas pelo coletivo.

4. Os diálogos sobre a prática pedagógica na hora atividade

Para realizar o último momento dessa pesquisa, optou-se pela realização de encontros semanais do autor (que é pedagogo efetivo na escola) junto aos professores nas horas atividades (que é o tempo dos professores dedicado à organização de seu processo de ensino, sem interação com os estudantes). Esse momento, que pode ser caracterizado como um processo de formação continuada do professor em serviço5 requer uma promoção contínua de diálogos e reflexões acerca dos problemas que atingem a prática pedagógica, acreditando que a mesma enriquece, problematiza e fortalece a ação educativa.
Embora os professores reconheçam a importância de estudos durante a hora atividade, via de regra restringem-se a realização das atividades práticas, imediatas, inerentes a atividade docente. Nesse sentido, “parar a rotina” para estudar e refletir não pareceu uma boa ideia. Muitos ainda não conseguem vislumbrar a hora atividade como possibilidade para o fortalecimento de sua formação, não querendo perder esse espaço tão importante como meio de suavizar o acúmulo de funções que lhe são impostas. É contra essa prática que o diálogo dos professores junto aos pedagogos do Colégio Estadual do Paraná tem se mostrado uma estratégia importante para a organização da ação pedagógica, por meio de diálogos, estudos e reflexões. E aos poucos os professores foram percebendo a importância do momento de parar e, coletivamente, refletir a própria prática e as possibilidades de agir na escola.
Na impossibilidade de realizar esse processo com todos os docentes do Colégio, afinal são mais de 400 profissionais, em decisão conjunta com a Chefia da Divisão Educacional e outros pedagogos do Colégio, o autor assumiu a atividade com o grupo de 15 professores das disciplinas de Biologia e Ciências e 14 professores de Geografia6. Nessa proposta, as ações dirigem-se para a análise e compreensão da prática docente numa perspectiva dialógica, formativa e reflexiva. No primeiro semestre de 2014 implementou-se, então, o encontro semanal do pedagogo junto a esse grupo de professores com intuito de realizar diálogos e reflexões acerca dos processos pedagógicos e análises das práticas reflexivas. Nos encontros, o processo de diálogo ocorre da seguinte forma: Os coordenadores de disciplina apresentam a pauta da semana, anotando as dúvidas e questionamentos do grupo, bem como orientando naquilo que diz respeito à disciplina (por exemplo, a Olimpíada de Biologia ou o Projeto da Copa do Mundo, em Geografia). Em seguida, o pedagogo coordena a discussão juntos aos professores sobre o Plano de Trabalho Docente, a Planilha Eletrônica de Notas, Avaliação e Recuperação de Estudos, Registros no Livro de Registro de Classe, Disciplina e Indisciplina dos Alunos, etc. Todo esse processo é registrado em Ata, a qual é assinada por todos ao final do encontro.
Essa proposta de trabalho pauta-se na reflexão sobre as mudanças e a necessidade de inovação das práticas escolares, não mais como no princípio da racionalidade técnica, que estabelece como alguns princípios, via de regra, a tarefa a alguns que pensam e outros que executam a prática docente. A prática do professor deve levar em conta o estudo da sua própria prática, como um dos meios constitutivos da construção de novos saberes profissionais.
Para além de se compreender os processos de desenvolvimento pessoal e profissional do professor, é considerá-lo detentor de uma profissão na qual o próprio sujeito histórico é capaz de produzir o seu próprio ofício. O desafio atual, segundo Nóvoa “[...] está na valorização de paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional [...]” (1992, p. 27).
Essa organização buscou um trabalho coletivo dos docentes dessas disciplinas compreendendo este trabalho como uma ação coletiva intencional, ou seja, propositiva, deliberada, estimulada pela gestão escolar, que envolve um fazer – um conjunto de procedimentos e um pensar – e um conjunto de ideias que fundamenta a ação. Esta ação não é construída ou implementada na escola por decreto ou pelo ato da instituição e sim é constituída no processo, pois a prática, o fazer que dão sentido e significado à ação coletiva. Sobre isso, os professores têm sempre algo a dizer:

Os encontros na Hora Atividade são valiosos, com orientações importantes para a nossa prática e com respostas aos nossos questionamentos”.

É um momento de troca de informações sobre o Projeto Político Pedagógico e Planos Curriculares das séries, sendo muito positiva a apresentação realizada pelo pedagogo”.

Os encontros têm sido bem produtivos pois somos devidamente orientados sobre as atividades do colégio”.

Os encontros da Hora Atividade são bastante produtivos, havendo avanços significativos, principalmente em relação ao trabalho de ensino aprendizagem”.

Os docentes no processo de ação coletiva são sujeitos do ensino entendidos em sua identidade individual, considerando seus valores, crenças e ideologias. O processo de trabalho coletivo colabora para que reconstruam e ressignifiquem essa identidade, conforme passam a formar um coletivo mediados pelo currículo da disciplina. E o vínculo que se estabelece entre o pedagogo e o professor comprova que só se aceita aquilo que se conhece, e que só se reflete sobre aquilo que temos domínio e precisão nas análises.

As discussões e reflexões realizadas durante a Hora Atividade são importantes e necessárias, além de representar um dos poucos momentos de encontro entre todos os colegas da disciplina em que podemos trocar ideias e compartilhar nossas experiências diárias com os alunos”.

Os temas discutidos são relevantes e necessários sendo que a ajuda e a organização do pedagogo ajuda os colegas professores na caminhada como educadores”.

Os encontros dos professores na Hora atividade têm sido de grande valia, visto que os pedagogos têm uma linguagem que expressa o dia a dia da sala de aula”.

Entretanto, esse processo não é espontâneo nem automático. São necessárias certas condições para que aconteça, o que se evidencia no Colégio Estadual do Paraná, tais como: uma dada conjuntura política e pedagógica favorável à organização de processos associativos, um ambiente de estímulo à participação social, e não de controle e regulação de condutas e, fundamentalmente, uma conjuntura política entre os sujeitos participantes da ação que lhes favoreça uma leitura de mundo em que suas políticas tenham sentido e significado num contexto maior, de esperança por mudanças.
Afinal, os professores têm um conjunto de saberes (formado pela teoria, prática, e experiência profissional) que vale a pena ser compartilhado, e nesse compartilhamento se diversificam o repertório pedagógico e os seus instrumentos de intervenção. Nóvoa (2008) diz que a vivência coletiva entre os professores abre novas possibilidades, proporciona novas ferramentas teóricas e metodológicas “[...] que lhes permitem pôr em prática ideias e perspectivas que já aderem, mas que não sabem pôr em prática [...]” (p.5).

Os encontros são proveitosos, sendo que ajuda muito o professor que está chegando na escola inteirar-se das normas pedagógicas do estabelecimento. O acompanhamento do trabalho pedagógico do professor é indispensável para os devidos ajustes”.

São bastante proveitosos, elucidando muitos aspectos no âmbito pedagógico, auxiliando em nossa prática em sala de aula e nos registros dos documentos (livros de chamada, planos de aula, etc)”.

Os encontros são muito bons, com discussões e esclarecimentos profundos, concisos, úteis, sem rodeios e bem objetivos. As discussões sobre a Proposta Pedagógica Curricular foram ótimas”.

Os encontros são bastante relevantes e válidos, sendo que os temas são instrutivos e esclarecedores. É um momento de trocas e aprendizagem dos professores”.

Estou satisfeita com os encaminhamentos desenvolvidos na Hora atividade entre nós professores e pedagogo”.

Os encontros na Hora Atividade são produtivos e essenciais para nossa prática pedagógica”.

Os encontros da Hora Atividade são muito úteis, produtivos e esclarecedores, sendo essência o papel profissional que o pedagogo desempenha”.

Evidentemente, também há quem questione e mesmo critique o formato, apontando a necessidade de redirecionamento com intenções de aperfeiçoar os encontros, as pautas e os temas em discussão:

Os encontros de hora atividade, enquanto repasse de informações é bom, mas para discutir as questões da escola como um todo tem de existir a maior aceitação de ideias lançadas e menos questões já prontas que não podem ser modificadas”.

Com tudo isso, espera-se, como grande objetivo a alcançar, a busca por estratégias de mudanças e transformação para melhorar a realidade, a partir da formação continuada dos professores na hora atividade concentrada. O que se coloca é a necessidade de produzir conhecimento no decorrer do processo. E essa produção de conhecimento passa, inevitavelmente por um processo de diálogo, repleto de reflexão sobre o cotidiano escolar e a prática pedagógica, entre pedagogo e professores.

6. Considerações finais

Este estudo, como reflexão teórica das atividades desenvolvidas no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), revela que a escolha pela profissão docente, pelos sujeitos pesquisados no Colégio Estadual do Paraná, é marcada por múltiplas razões. Entre essas razões aparece o interesse pela docência desde a infância; a influência familiar; a necessidade financeira; a inspiração oriunda da prática de algum professor ou as circunstâncias do momento em que viviam.
Optar pela docência, ou incluir a mesma como atividade profissional em sua trajetória de vida, é sempre desafiante e carregada de incertezas. No entanto, a docência é uma profissão cujos sujeitos a escolhem tendo já uma vasta experiência como alunos. Assim, se tornar professor também passa pelo julgamento dos processos de ensino e aprendizagem vivenciados pelo sujeito enquanto aluno. E nesse âmbito, a escolha e a atuação na profissão acabam sendo um misto de formação profissional e vida pessoal. Compreender, pois, a trajetória pessoal do professor é também compreender como ocorrem os processos de ensino no interior das salas de aula e, em maior escala, entender as relações pedagógicas e os processos de ensino de uma escola.
Pode-se notar que, ao iniciar a atividade pedagógica em sala de aula, esta proporcionou aos sujeitos pesquisados um gosto pelo ensino e um despertar de vínculo que foi se consolidando. E isto levou-os a uma busca pelo aprimoramento de seu ato de ensinar. Essas trajetórias, nas quais se envolvem vida pessoal e profissional, trazem aos sujeitos as contradições de fatores que motivam e outros que desestabilizam a sua escolha profissional. Mesmo assim, sentem-se realizados por fazerem parte de um grupo, terem uma identidade profissional e poderem atuar, ano após ano, com alunos que oferecem inúmeros desafios.
Entre esses desafios, encontram-se problemas e situações de sala de aula nas quais o professor nem sempre consegue resolver, como a burocracia, os problemas de ordem social, o desinteresse e a desmotivação. O estudo apontou que um dos caminhos possíveis é o fortalecimento de equipes e coletivos de trabalho nas quais se problematiza com mais profundidade as angústias e as dificuldades e, a partir disso, buscam-se soluções. Nesse sentido, o desenvolvimento de posturas e práticas reflexivas ajudaria, em certa medida, e de forma mais imediata, as questões pontuais de sala de aula. Para isso, os encontros semanais entre os pares contribuem sobremaneira para discussões e troca de experiências.
Essas discussões que ocorrem durante a hora atividade, entendida como espaço de formação continuada, de problematização das questões curriculares e de discussão coletiva dos problemas pedagógicos, podem promover no Colégio Estadual do Paraná a superação das formas alienadas do pensamento. Essa superação, permeada por reflexões e tomadas de decisão numa perspectiva crítica, promove a análise, por parte do professor, sobre seu trabalho e, consequentemente, o fortalecimento do sentido numa perspectiva de formação humana, expressa numa prática reflexiva.
O pedagogo, nessa teia de possibilidades e limitações, é o mediador na interação com professores na hora atividade e deve estar atento, observando os problemas e dificuldades que se apresentam nesse processo pedagógico para que, no coletivo, possam ser pensadas ações que conduzam a equacionar os problemas da sala de aula.
Com isso, consolida-se um processo seguro de ação pedagógica por parte dos professores, um diálogo rico e profícuo e, sobretudo, o desenvolvimento da profissionalidade docente, no qual eles sentem-se amparados e subsidiados para agir consciente e eticamente na sala de aula e em todas as atividades escolares.
No processo prático de formação de profissionais reflexivos, proposto por Schön (2000), entende-se que, embora o pensamento prático do professor não possa ser ensinado, ele pode ser aprendido desde que, por meio de uma reflexão conjunta e recíproca, mediada pelo pedagogo escolar, no qual ocorre a reflexão da ação prática e sobre ela. Sem, no entanto, desconsiderar ou desvalorizar os conhecimentos teóricos/científicos.
Diante do processo experienciado – investigar histórias de vida, analisar a identidade e as dificuldades da profissão e dialogar sobre a prática pedagógica – fica a certeza da necessidade do permanente questionamento sobre quem são os docentes que atuam no Colégio Estadual do Paraná, considerando as novas ingerências do presente sobre a profissão e problematizando processos que “desqualificam” a formação docente. Torna-se imperativo compreender criticamente os limites e as possibilidades de atuação pedagógica que legitimam os professores como sujeitos da reflexão, numa perspectiva de autodeterminação e autonomia e, a partir disso, propor formas de transformações e melhorias pedagógicas.
Há muito o que se trilhar nessas investigações, e este estudo apontou, justamente, um dos caminhos possíveis: dialogar com os professores e construir, com eles, novas formas de pensar as práticas pedagógicas de sala de aula. Não é mais possível entender as relações escolares em que uns detém o poder sobre o processo de pensar e outros devem simplesmente executar. O que se vislumbra são as possibilidades, considerando os limites e as condições, de se constituir identidades profissionais autônomas e, coletivamente, abrir espaço para práticas pedagógicas conduzidas por professores reflexivos.

7. Referências Bibliográficas

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1 Pedagogo no Colégio Estadual do Paraná. E-mail: supervisoralex@seed.pr.gov.br

2 Professora Orientadora - DEPLAE – UFPR. E-mail: lucimar_dias@uol.com.br

3 O Google Drive é um serviço de disco virtual que o Google lançou em 2012, oferecendo espaço gratuito para seus usuários. O serviço permite o armazenamento e sincronização de arquivos na nuvem do Google.

4 Segundo o Prof. Dr. Gracialino da Silva Dias, as identidades objetivas dos professores podem ser analisadas a partir da identificação destes como Trabalhador, Cientista e Educador. Este assunto foi abordado na aula da disciplina Organização do Trabalho Pedagógico – no PDE, UFPR, em 11 de outubro de 2013.

5 O processo de formação continuada de professores não é novidade. Vários são os autores que apresentam discussões sobre esta temática e ressaltam sua relevância para os profissionais do ensino, como Candau (1997), Nascimento (2000), Pimenta (2002), entre outros.


6 Vale ressaltar que outros pedagogos da escola realizam o atendimento aos professores das demais disciplinas em diferentes dias da semana, com semelhante concepção, mas diferentes metodologias.

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