A idéia da construção de novas diretrizes curriculares estava pautada, sobretudo, na intenção de superar os descaminhos de “uma política educacional fortemente marcada pela concepção neoliberal que passou a propor para as escolas uma ação pedagógica voltada para o desenvolvimento de competências e habilidades (PARANÁ, SEED/SUED 2004).”
Assim, a SEED, logo de início, definiu um programa de reformulação curricular que tinha como pressuposto contrapor os referenciais nacionais daquele momento histórico, os quais se consubstanciavam em uma concepção de educação que atrelava a escola pública às necessidades do mercado, expressada nos PCNs. Ao fazer isto, a SEED objetivou articular a construção de novos referenciais curriculares à formação docente:
[...] com otimismo é possível vislumbrar a instalação de um processo de formação continuada que acrescente e supere a formação inicial do profissional (a qual precisa ser constantemente revista) para dar conta da prática escolar. Tal projeto no entender da SEED, deve levar em conta a construção histórica que os sujeitos envolvidos nas práticas educativas foram construindo ao longo dos anos, com ou sem o apoio de uma política educacional para tal. É tarefa do Estado e especificidade da SEED a indicação das diretrizes curriculares que sustentam o processo educacional nos diferentes níveis e modalidades. Esta tarefa deve estar permeada por princípios democráticos que possibilite a garantia de uma escola de qualidade, que seja universal, pública e gratuita. Por outro lado, é fundamental uma compreensão de que os profissionais docentes são os nossos maiores e melhores protagonistas da reformulação curricular. Os professores em sua prática na escola tornam-se sujeitos epistêmicos, capazes de refletir, analisar e propor as indicações mais apropriadas para o processo de ensino e de aprendizagem.
(PARANÁ, SEED, SUED, 2003) grifo nosso.
Os movimentos nesse sentido foram muitos. Dentre eles, simpósios, reuniões técnicas, grupos de estudos, produção de Folhas, construção do Livro Didático Público e, em especial, as próprias Semanas Pedagógicas descentralizadas, as quais, sobretudo, visaram à disseminação das políticas curriculares do Estado. Além desses movimentos, voltados especificamente à formação docente, outras ações da SEED tinham em vista contemplar a participação de toda a comunidade escolar sob a perspectiva da gestão democrática, envolvendo, de forma mais sistemática, os funcionários nas discussões voltadas à organização do currículo e às práticas pedagógicas, entendendo que o espaço escolar e, por consequência, o processo de ensino e aprendizagem, não se resumem inteiramente no espaço da sala de aula.
Hoje, ainda temos duas necessidades:
1) perceber em que medida as compreensões curriculares, por parte das escolas, tendo em vista o processo de construção e implementação das Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs), contribuíram para o fortalecimento da concepção de currículo defendida pela escola pública e pela SEED;
2) participar do movimento de construção de um currículo nacional, por iniciativa do Ministério da Educação e Desporto (MEC), no qual o Paraná, assim como os demais estados, tem como premissa levar suas contribuições, resultado de um movimento contraditório de idas e vindas na construção de novos referenciais curriculares, mas, sem dúvida, de muitos avanços.
A opção pelo conteúdo escolar foi um dos maiores avanços de compreensão por parte das escolas. O início do processo de construção das DCEs tornou explícita a transversalização das disciplinas a partir dos PCNs e, por conseqüência, a secundarização do conteúdo. Atualmente, demonstra-se que a grande maioria das escolas ressalta a importância em se tomar o conteúdo como a via de acesso ao conhecimento. Isto significa dizer que a opção pelo currículo disciplinar ficou, de certa forma, clara em muitas escolas, contrariando a posição anterior de transversalização e minimização do conteúdo.
Optar pelo conteúdo, na perspectiva do currículo disciplinar, significa destacar que o trabalho com os temas transversais e a pedagogia de projetos não dá conta de garantir o acesso ao conhecimento de forma sistematizada, uma vez que prioriza o processo de “aprender a aprender” em detrimento do ensino, descaracterizando a função social da escola pública.
Assim sendo, a partir do texto da Semana Pedagógica – julho 2008, e do movimento de construção das DCEs, as sistematizações feitas pelas escolas revelaram avanços em relação às políticas curriculares de 1990, expressadas pela Pedagogia de Projetos e a política de competências e habilidades.
Quando indagadas sobre sua função social, muitas escolas indicaram que a educação escolar não é neutra, que ela traz consigo uma intenção política e social. Assim, em certa medida, os educadores sinalizam para as possibilidades de um fazer crítico, colocando a escola como um dos caminhos indispensáveis à transformação social. Apesar das muitas contradições, a escola também é destacada como a mediadora do conhecimento na formação do sujeito e do currículo críticos.
Nessa perspectiva, algumas escolas situam “um currículo que resulte em seleção de conteúdos essenciais, numa formação política de consciência de classe para a busca da construção da sociedade... a que sonhamos (justa, mais igualitária, solidária)” (citação da sistematização da Semana Pedagógica – Julho 2008 - de escola da rede estadual de ensino).
A Pedagogia Histórico–Crítica também aparece como fundamento na mediação do conhecimento escolar, “propondo-se a resgatar a importância dos conteúdos e a ressaltar a função básica da escola, a transmissão do saber sistematizado, do conhecimento científico, universal e objetivo, a ser dominado por todos os estudantes” (citação da sistematização da Semana Pedagógica – Julho 2008, de escola da rede estadual de ensino). Nesse sentido, as contribuições apontaram que a educação se expressa num “processo de apropriação do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, o qual é condição para emancipação da pessoa humana” (citação da sistematização da Semana Pedagógica – Julho 2008, de escola da rede estadual de ensino).
Cumpre destacar que a Pedagogia Histórico-Crítica foi uma tendência em educação que marcou o Brasil na década de 80, a partir da redemocratização nacional. Hoje, em termos de currículo, mais do que indicar uma tendência em educação, os princípios que sustentam as necessidades da escola pública do Paraná estão apoiados numa concepção progressista, sustentada na teoria crítica de currículo.
As muitas produções mediadas pelas políticas curriculares da SEED já permitem afirmar que as perspectivas construtivistas adotadas pelos PCNs são insuficientes para possibilitar que a escola pública cumpra sua função social. Em nome do “aprender a aprender” as políticas curriculares nacionais da década de 90 desfizeram o papel do professor como o mediador do saber, retomando a compreensão do professor como mero facilitador do processo de ensino e aprendizagem. Esta política não somente secundarizou o papel do professor, como também relativizou o conhecimento, valorizando apenas o processo de construção do conhecimento em detrimento do conteúdo escolar. Além desta ressalva, destaca-se a questão de se trabalhar os conhecimentos de forma pontual, individual e pragmática descolada de sua totalidade, conforme já expunha o texto da Semana Pedagógica de julho:
Deste modo, tratar os conteúdos curriculares em sua totalidade, significa compreendê-los como síntese de múltiplos fatos e determinações, como um todo estruturado, marcado pela disciplinaridade didática. Tratar os conteúdos em sua dimensão práxica é compreender que a atividade educativa é uma ação verdadeiramente humana e que requer consciência de uma finalidade em face à realidade, por meio dos conteúdos, impossibilitando o tratamento evasivo e fenomênico destes (...) Na opção por um currículo que trabalha com a totalidade de conhecimento historicamente produzido pela humanidade, citada acima, automaticamente há a renúncia ao enfoque individualista e, portanto, fragmentado e superficial de tratamento ao conhecimento.
(PARANÁ, SEED,SUED, 2008).
Enfim, as produções curriculares até aqui realizadas nos permitem indicar que alguns pontos podem ser consensuados entre os departamentos e coordenações como políticas curriculares da SEED que, em primeira instância, buscam ir ao encontro das necessidades da escola pública e não do mercado de trabalho. Dentre estes possíveis consensos, destacam-se:
1 - a necessidade de superação da visão mercadológica dos Parâmetros Curriculares Nacionais que, em nome de desenvolver competências e habilidades, responsabiliza o indivíduo pelas questões sociais e econômicas do país, bem como retiram da escola o elemento que lhe é imprescindível: o conteúdo;
2 - a superação da Pedagogia de Projetos, que responsabiliza a escola em dar conta dos problemas ambientais, sociais e culturais, a qual é pontual e insuficiente para possibilitar o acesso ao conhecimento de forma organizada e sistematizada;
3 - a opção pelo currículo disciplinar, que busca garantir a especificidade do conhecimento, a partir de cada disciplina, com o cuidado em trabalhá-lo em suas múltiplas determinações e relações que são históricas, sociais, culturais e políticas.
A análise realizada a partir das produções das escolas, na Semana Pedagógica de julho de 2008, nos levou a perceber que grande parte das escolas demonstra compreensões ainda contraditórias em relação a trabalhar com o conteúdo escolar como ponto de partida do currículo. Isso verificou-se quando o tema da Semana Pedagógica pontuou a necessidade da escola em abordar os Desafios Educacionais Contemporâneos.
Nesse momento foi possível perceber que, embora as discussões oferecidas pelo texto tenham indicado, de alguma forma, a necessidade de se resguardar a especificidade da escola pública, as escolas acabam assumindo para si o papel de dar conta do desenvolvimento de valores, projetos, temas, os quais, em alguma medida, secundarizam o seu papel. Percebe-se que parte disto decorre do impacto dos PCNs que, em seus temas transversais, imputaram à escola a responsabilidade de “resolver” os problemas sociais e econômicos no âmbito do currículo.
Este impacto também se traduz na ânsia da escola em continuar a trabalhar com textos e vídeos de auto-estima e motivação. De certa forma, as políticas mercadológicas de 90 responsabilizaram o professor por todos os resultados e projeções mundiais em termos de educação. Os próprios discursos oficiais nos diziam que a falta de motivação e metodologias inadequadas, por parte do professor, eram os aspectos que propiciavam a má qualidade em educação do país. Hoje, sabemos que as muitas produções em torno de motivação, grande parte de cunho mercadológico, serviam de “cortina de fumaça” para encobrir os reais problemas.
Contudo, o relato de algumas escolas evidencia que nas suas tentativas de avanço, a motivação e a busca de auto-estima ainda aparecem como via para melhorar ou viabilizar o ânimo do docente.
Entretanto há escolas, tal como ressalta o texto da Semana Pedagógica, as quais indicam, de forma muito clara, que “os desafios educacionais contemporâneos podem e devem ser discutidos como expressões históricas, políticas e econômicas, tornando-se parte do conteúdo e da proposta pedagógica curricular” (citação da sistematização da Semana Pedagógica – Julho 2008 - de escola da rede estadual de ensino). Nesta perspectiva, existem destaques de que é preciso “garantir ao sujeito concreto acesso ao conhecimento, à cultura, à formação como humanos”. Fato este explicitado através da “formação do cidadão crítico e participativo diante das questões do dia-a-dia” (citação da sistematização da Semana Pedagógica – Julho 2008 – de escola da rede estadual de ensino). Da mesma forma já se percebem avanços quanto ao papel dos funcionários ao afirmar que: “o segmento dos funcionários pode intervir na construção do currículo, participando dos Conselhos de Classe, do Planejamento, praticando a ética e a união coletiva com todos os demais segmentos da comunidade escolar.” (citação da sistematização da Semana Pedagógica – Julho 2008 - de escola da rede estadual de ensino)
Por outro lado, algumas escolas ao refletirem sobre como lidar com estes desafios, foram até mesmo levadas pelas políticas públicas a recorrerem à Pedagogia de Projetos. Outras escolas, por sua vez, destacaram que os projetos são insuficientes na mediação com o conhecimento, já que eles trazem uma visão utilitarista no currículo. Neste mesmo sentido, algumas instituições ressaltam que o conhecimento deve ser trabalhado na sua totalidade e numa perspectiva dialética e interdisciplinar, conforme o que o texto sugerido destacava: “(...) categoria totalidade - condição de compreensão do conhecimento nas suas determinações que são questões sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais(...) (PARANÁ, SEED, SUED, 2008). Porém, esta posição em outras instituições também é contradita quando se vislumbra a formação para o desenvolvimento de competências a partir de temas geradores.
O que se conclui, a partir das produções das escolas na Semana Pedagógica 2008, é que as demandas impostas ou assumidas pela escola pública são muitas – formar o cidadão crítico, possibilitar a emancipação humana, dar conta de questões sociais, econômicas e culturais – as quais, muitas vezes, extrapolam a dimensão curricular.
A falta de perspectivas na própria função social da escola e das possibilidades de se lidar com os impactos das contradições sociais e da diversidade cultural são os elementos que mais suscitam a necessidade de avanço, não somente da compreensão sobre o papel da escola - que não é de preparar mão-de-obra, não é de formar para o mercado, não é de dar conta de todos os problemas sociais e econômicos, mas é o de possibilitar que, através do conhecimento, os nossos alunos possam ter compreensão da sua condição como sujeito histórico.
Na mesma perspectiva, o professor é aquele que estuda e que, em meio a tantas demandas, busca aprimorar-se, formar-se e capacitar-se, portanto é o sujeito que tem o domínio do saber e deve mediar este saber - oferecê-lo ao seu aluno de forma organizada e sistematizada. É aquele que ensina. Com certeza não ensina qualquer conteúdo apenas como via de desenvolver capacidades mentais como apregoavam os Parâmetros Curriculares Nacionais. É aquele que seleciona o recorte do conteúdo, o qual não é aleatório e sim planejado, movido por uma intenção social, política, histórica e cultural.
Ainda que não de forma universalizada, um dos maiores avanços que podemos destacar é a compreensão de que a educação tem um papel democrático importante na socialização do conhecimento como via de compreensão do mundo. A sociedade que aí está não pode ser reproduzida, não podemos nos conformar a ela de forma ingênua, com suas desigualdades e injustiças.
Cumpre destacar que, uma vez apropriada de sua função histórica e social, no sentido de ir ao encontro das necessidades dos trabalhadores e dos filhos dos trabalhadores, na perspectiva da emancipação humana e social dos que almejam uma sociedade mais inclusiva, a própria escola tem possibilidade de se sustentar numa concepção de educação que reafirme as políticas de Estado e que estas possam consolidar-se como políticas públicas de fato.
Ainda que este texto indique para as possibilidades no âmbito do currículo, ele não se esgota em um documento teórico, uma vez que é importante ressaltar que as produções das escolas revelam a necessidade de suporte. Portanto, as ações da SEED, no âmbito das políticas públicas em 2009, têm como intenção ampliar este debate com profissionais de diversos espaços: Promotoria Pública, Conselhos Tutelares, Conselho Estadual de Direito da Criança e do Adolescente, bem como a própria Patrulha Escolar, no sentido de buscar e oferecer o suporte possível para entender as questões sociais e suas implicações no âmbito da escola. Cabe destacar que o papel da escola deve ser retomado no que se refere ao compromisso que todos temos com a democratização e socialização do saber.