segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O TRABALHO DO PROFESSOR NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL: Algumas reflexões sobre a docência e o trabalho pedagógico na escola

Alexandro Muhlstedt1

RESUMO: Este trabalho traz uma breve reflexão a respeito da concepção da educação integral, evidenciando a questão do trabalho do professor. Trata-se de revisão bibliográfica respaldada em textos de Anísio Teixeira, no Relatório estadunidense sobre como as pessoas aprendem e nas Orientações proposta pela professora Veronica Branco. Realizado em 2014, este texto traz a figura do professor como elemento chave para as elaborações de uma nova escola e para novas práticas pedagógicas que coloquem os processos de ensinar e aprender como centralidade do trabalho escolar. Defendendo o argumento de Anisio Teixeira de que a escola brasileira não precisa de reforma, mas sim de uma nova escola, o texto conclui que há muito o que se fazer em prol de uma educação verdadeiramente integral, destancando que a formação do professor e sua maneira de entender e praticar o ensino precisa ser ressignificada para a garantia da efetiva aprendizagem. Com isso, emerge a necessidade de potencializar um espaços de formação do professor que facilite a apropriação e o comprometimento deste com a prática da educação integral.

Palavras-chave: Educação integral; Trabalho do professor; Escola; Anisio Teixeira; Aprendizagem.


INTRODUÇÃO

Pensar a concepção de Educação Integral é, inevitavelmente, refletir e questionar as práticas pedagógicas centrada no modelo tradicional de pedagogia desenvolvida na maioria das escolas brasileiras, que tem se mostrado ineficaz ao processo de aprendizagem (tanto dos estudantes quanto dos professores em ensinar). Essa pedagogia que centra-se em um modelo de ensino verbalizador e repetitivo, ignora processos importante de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Contra essas práticas e posturas, o modelo de educação integral apresenta-se como forma de aproximar a vida e a escolarização, ressignificando, portanto, a prática educativa.
Anisio Teixeira2, grande educador brasileiro do século XX, denunciou e trabalhou exaustivamente em prol de uma educação escolar que não fosse privilégio para poucos, mas um direito de todos. Ele tratou a educação como um direito social e instrumento de democratização, projetando um ensino de qualidade e sendo exigente com um tipo de pesquisa qualificada e comprometida com os problemas sociais, com a organização de homens e instituições a serviço da reinvenção da ciência, da cultura e da política, da própria sociedade brasileira.
Com isso, traz, ainda hoje, questionamentos que provocam e instigam a saída dos professores de uma postura de conformismo e comodismo. Atualizando esses postulados de Anisio Teixeira, é possível aproximar seus posicionamentos aos estudos contemporâneos sobre como as pessoas aprendem os quais explicam a necessidade de mudança e de um agir individual e coletivo por parte dos professor em prol de aprendizagens que ressignificam o lugar do ser humano no mundo.
Ressalta-se que novas estratégias, novas metodologias, novos modos de pensar e perceber os professores e estudantes na escola, não ocorrem por decreto ou milagre, mas por um movimento que engloba estudos, esforço, dedicação, dálogo e reflexão.
Ante a isso, esse breve estudo ancora-se em uma revisão bibliográfica respaldada em textos de Anísio Teixeira, no Relatório estadunidense sobre como as pessoas aprendem e nas Orientações da professora Veronica Branco, para defender um tipo de formação de professores que entendem os estudantes em sua integralidade. Eis um princípio forte que sustenta a Educação Integral: a aspiração de formar homens capazes de compreender e de intervir no mundo em que vivem, promovendo o bem comum e a convivência solidária.

1. Contextualizando o conceito da Educação Integral

Percebe-se que a prática pedagógica desenvolvida na maioria das escolas, centrada num modelo de pedagogia que pode ser chamado de tradicional, tem se mostrado ineficaz ao processo de aprendizagem. O que ocorre nesse modelo é que se estabelece uma dissociação entre a vida e a escola. Com isso, o resultado é uma formação que desconsidera as necessidades dos estudantes e, consequentemente, é incoerente com as exigências da contemporaneidade.
Diante disso, nota-se também que tem havido algumas ações governamentais no sentido de adotar um modelo de educação integral como forma de aproximar a vida e a escolarização, re-significando, portanto, a prática educativa. Uma dessas ações é o Programa Mais Educação. Ações como essa, de acordo com Moll (2012) buscam fortalecer a prática pedagógica coletiva, promovendo a co-responsabilização entre escola, família, setores sociais e comunidade local sobre o ato de educar.
Pode-se dizer que quando se idealiza e concretiza uma escola que possua um projeto de educação integral em sua perspectiva está-se realizando o sonho adiado de Anísio Teixeira e depois de Darcy Ribeiro (MOLL, 2012). Projeto este que não se pauta apenas em ampliar o tempo e os espaços educacionais, mas também partir da ideia de que os estudantes são sujeitos portadores de diferentes experiências sociais e assim sendo “fruto de processos igualmente diferenciados” (BRASIL, 2009, p.15). Nesse sentido, e contexto, propõe-se pensar uma educação intercultural, onde as identidades culturais possam encontrar espaço para reconhecerem-se, identificarem-se e transformarem o meio escolar em uma fonte enriquecedora de trocas entre diferentes grupos, e não em um espaço de exclusão e preconceito.
O conceito de educação integral, assim como muitos outros conceitos, carrega conteúdo histórico e programático, sendo que desde os primórdios, a noção de educação integral vem impregnada da aspiração de formar homens capazes de compreender e de intervir no mundo em que vivem, promovendo o bem comum e a convivência solidária.
Larroyo (1974), na sua obra História geral da pedagogia, aponta que os princípios políticos e filosóficos do conceito de educação integral se inscrevem no espírito humanista do século XIX e início do século XX, de crença no progresso, na regeneração humana e no racionalismo científico, e concebem o homem como um “ser total”, preconizando uma educação que integre suas múltiplas dimensões (intelectual, afetiva, física e moral).
As primeiras experiências foram concebidas por Paul Robin, na França, e, na Espanha, por Francesc Ferrer – o criador da Escola Moderna em 1901 –, e utilizavam nas atividades cotidianas jogos e múltiplas atividades artísticas como música, dança, escultura, pintura e literatura.
No mesmo período, intelectuais da Escola Nova como John Dewey (1859-1952) enfatizaram a ideia de que educação é vida e não preparação para a vida. As experiências educacionais da Escola Nova desenvolvidas em várias partes do mundo, durante todo o século XX, tinham algumas das características básicas que poderiam ser consideradas constituidoras de uma concepção de escola de educação integral. As próprias denominações assumidas por estas escolas já indicam muitos de seus objetivos.
Na obra de Luzuriaga (1990), História da educação e da pedagogia, contata-se que entre elas, podem ser citadas as “escolas de vida completa” inglesas; os “lares de educação no campo” e as “comunidades escolares livres” na Alemanha; a “escola universitária” nos Estados Unidos; as “casas das crianças” orientadas por Montessori, na Itália; a “casa dos pequenos”, criada por Claparède e Bovet em Genebra; a “escola para a vida”, criada por Decroly em Bruxelas, Freinet, na França e muitas outras mais. Considerando suas particularidades, cada uma dessas experiências dava grande importância à integração entre a educação intelectual e a atividade criadora para a formação global da criança.
Em suas mais variadas expressões enfatizaram a vida social-comunitária da escola e a autonomia de alunos e professores como princípios formadores de consciência e atitude diante da vida.
No Brasil, o legado de Anísio Teixeira (1930 - 1984) pode contribuir significativamente para o repensar da prática pedagógica e dos espaços educativos. Para além dos sonhos que ainda hoje são horizontes desejados pela educação, esse pensador da educação, militante pelo direito e pela qualificação da educação pública, mobilizou e continua a inspirar iniciativas de planejamento e operacionalização de políticas públicas em prol de aprendizagens significativas, de uma educação integral, em tempo integral e que preze pela qualidade e efetividade da prática pedagógica ao alcance de todos.
Esse grande intelectual e pensador brasileiro fez um séria opção por princípios e valores humanos que podem ser percebidos nos seus discursos e nas suas práticas político-pedagógicas durante mais da metade do século XX.

2. Compreendendo o legado de Anisio Teixeira para a Educação Brasileira

Realçar a contribuição de Anísio Teixeira para a educação brasileira é, de certa forma, prestar uma homenagem não apenas a este grande educador e intelectual, que pagou um alto preço pela defesa concreta e intransigente de que a educação não é privilégio. Denunciou com veemência a escola brasileira qu considerava “[...] a educação um preparao de alguns indivíduos para uma vida mais fácil e, em rigor, privilegiada” (1957, p. 23).
Durante sua vida inteira, Anísio Teixeira defendeu a educação do ângulo que mais a dignifica: o do direito social e da democratização de um ensino de qualidade, o da pesquisa qualificada e comprometida com os problemas sociais, o da organização de homens e instituições a serviço da reinvenção da ciência, da cultura e da política, da própria sociedade brasileira.
Anísio Teixeixa foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova3 (1932), que divulgava as diretrizes de um programa de reconstrução educacional para o país.
O que torna a trajetória de Anísio Teixeira admirável é a persistência na defesa da democracia e da educação para a democracia, que constituiu o motivo central de devotamento da sua vida. Essa defesa não é apenas apaixonada. É polida por uma filosofia da educação e uma compreensão aguda da história da sociedade brasileira. Ao defender o movimento da escola nova, chama a escola para atualizar e modernizar seus métodos. Anísio Teixeira (1968) argumenta que a chamada teoria da educação nova “[…] é a tentativa de orientar a escola no sentido do movimento, já acentuado na sociedade, de revisão dos velhos conceitos psicológicos e sociais que ainda há pouco predominavam” (p. 20).
Ele fez parte de uma geração de intelectuais cuja preocupação maior, na primeira metade do século XX, foi organizar a nação e forjar o povo através de uma cultura que procurava assegurar a sua unidade pela instrução pública, pela reforma do ensino e pela construção de um campo cultural a partir da universidade. Essa preocupação levou-o, como outros educadores que lhe foram contemporâneos, a uma relação contraditória com o Estado.
A leitura de John Dewey, iniciada durante a década de 1920, proporcionou a Anísio Teixeira a possibilidade de construir um novo significado existencial, de encontrar resposta programática para as questões educacionais com as quais estava lidando e de elaborar uma síntese para uma nova visão de mundo. Sua apropriação de Dewey foi longa e múltipla e se desdobra em inúmeras publicações, traduções e na sua própria prática política. As suas experiências como docente e, sobretudo, como administrador, em diferentes conjunturas, foram depurando a sua escolha de temas e a sua apreciação sobre a obra deste autor. Se Dewey lhe permitiu notável abertura para o mundo moderno, configurou-se também como o seu grande limite.
O que Anísio Teixeira defende em tudo o que escreveu é a educação como um direito de todos. Esse direito tem a ver com a educação de crianças, adolescentes e adultos almejando a formação dos intelectuais. Afinal, Anísio Teixeira concebeu a escola como um espaço real no qual a criança do povo pudesse praticar uma vida melhor: livros, revistas, estudo, recreação, saúde, professores bem preparados, ciência, arte, clareza de percepção e crítica, tenacidade de propósitos.
A obra de Anísio Teixeira é resultado da eleição da educação como foco de trabalho. Sua motivação em torno desse foco torna-se um campo de significado justamente pela sua persistência. Assim, afirmar a contemporaneidade de Anísio Teixeira é partilhar com ele a convicção de que muito se falou de educação e muito pouco se realizou, o que dá a impressão penosa de que se está sempre a se repetir.

3. Revisitando as práticas escolares e pensando a Escola em Tempo Integral

Para pensar a educação hoje há uma exigência de analisar determinados processos e contextos sociais, culturais, econômicos e políticos de outros tempos, para assim compreender de que forma se deu a instauração da institucionalização da Escola. Para tanto, cabe retomar, de forma breve, as condições que possibilitaram, na Modernidade a emergência da escola, vista como uma instituição disciplinar, reguladora, com a finalidade de produzir uma nova sociedade.
No século XVIII, com o fim da Idade Média, têm-se a passagem de uma sociedade baseada no sistema de produção feudal para uma sociedade definida a partir do modelo de produção capitalista. Atrelado a isto surge uma nova concepção de sujeito – não mais aquele homem frágil e submisso à vontade Divina – mas sim, como explicado por Silva (2009) um sujeito que está no centro da ação social, sendo sua consciência o centro de suas próprias ações, guiado por sua razão e racionalidade.
O Estado, representado pela burguesia, transformou-se gradualmente no regulador e controlador da educação, fundamentando-a de acordo com a sociedade industrializada que emergia no início do século XIX. A instituição escolar apresenta-se como uma instituição que transforma os sujeitos para esta nova realidade, uma vez que se tornou um espaço (fechado) para que crianças e jovens fossem enclausurados e retidos, com o objetivo de serem governados e domesticados. Como esclarece Bauman (2001), este modelo de Escola foi colocado a serviço de uma Modernidade que deveria tornar a sociedade o mais previsível e segura possível.
Atualmente, no século XXI, a impressão vigente que se tem sobre a instituição escolar é que esta parece estar em desencaixe com a sociedade atual. O descompasso torna-se visível quando se fala nos alunos que frequentam os espaços escolares e os conteúdos curriculares que não interessam aos mesmos, pois, muitas vezes, não se relacionam com seu cotidiano.
O que se nota é que a escola vem sofrendo alguns deslocamentos quanto seu significado e função perante a sociedade atual. Se em outros tempos a escola foi entendida como um espaço para de transferência da cultura da humanidade para as novas gerações, aprendizagem de um ofício e lugar de saber, atualmente, nota-se o deslocando da sua centralidade do conhecimento escolar para a problematização das relações pessoais, culturais, sociais, históricas.
Isto posto, pode-se dizer que escola de tempo integral compreende a ampliação da jornada como um fator demandado pela própria natureza e função da escola. Em outras palavras, se a função da escola é a de apresentar, constituir e construir os conhecimentos sócio-historicamente consolidados, então quanto maior for o tempo dedicado a esse processo, maiores serão as possibilidades de que essa construção aconteça com qualidade.
A ampliação da jornada escolar se dá por meio de atividades que acontecem no contraturno e que, como tal, podem ou não estar vinculadas ao projeto pedagógico da instituição. Neste caso, as atividades enriquecem, muito provavelmente, o universo sociocultural do aluno, mas não necessariamente se constituem como Educação Integral, no sentido da articulação de conhecimentos e de saberes que fazem parte da constituição mesma do ser humano, que o vinculam ao processo humanizador para o qual a escola precisa lhe abrir a porta.
A Educação Integral apresenta-se, então, como possibilidade de realização de atividades, em geral no contraturno, que procurariam melhorar a autoestima do aluno, seu senso de pertencimento a uma comunidade, sua participação social, além de também ser entendida como uma "estratégia fundamental para melhorar a qualidade da escola" (SILVA, 2011).


4. O trabalho do professor na perspectiva da Educação Integral

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96, estabelece critérios para a formação profissional e à valorização profissional em seus artigo 62 e 67, respectivamente:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
[...]
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
III - piso salarial profissional;
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho.
Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino. (BRASIL, 1996, art. 62 e 67).

Reafirma-se a importância da formação profissional numa ação formadora, já que os profissionais não são apenas dos saberes científicos e práticos associados aos conteúdos a serem ensinados, mas educadores, profissionais da ética, do conhecimento, da cultura, do desenvolvimento e da formação humana. Neste sentido, é importante muito mais do que aprender técnicas e conteúdos, aprender a desenvolver a “humana docência”, como sugere Arroyo (2011, p.50), na busca da formação plena do educando.
Neste sentido, o professor não exerce apenas a função docente. Ao sair da escola depois de mais um dia de trabalho, carrega consigo as angústias, dúvidas, os sonhos e ideais. Não é possível separar a postura profissional da postura pessoal. “Carregamos a função que exercemos, que somos e a imagem de professor(a) que internalizamos. Carregamos a lenta aprendizagem de nosso ofício de educadores, aprendido em múltiplos espaços e tempos, em múltiplas vivências” (ARROYO, 2011, p. 124).
Na “humana docência”, os conteúdos a serem ensinados, vão sendo alargados. As matérias a serem ensinadas são planejadas e desenvolvidas, buscando instigar a curiosidade, a paixão de aprender, a emoção e a vontade de conhecer.
O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. A relação professor-aluno será sempre mediada pelo conhecimento. Nesse sentido, a atitude do professor deve ser curiosa, instigadora, desafiadora, criando condições para a produção ou construção do conhecimento diante de uma relação sedutora na forma de apresentar a informação, na qual suas atitudes diante do conhecimento são capazes de influenciar direta ou indiretamente o comportamento intelectual dos alunos.
Nessa relação de troca, haverá sempre a circulação de conhecimentos formais e sistemáticos e os investimentos que o professor faz em sua capacitação, em seu aprendizado e na sua possibilidade de ensinar não terão finitude. Assim, também precisa ser entendida a possibilidade do aluno aprender como sendo infinita, sem deixar de respeitar a condição de sujeitos na infância, na adolescência ou na juventude.
A educação integral entendida como o desenvolvimento pleno, no sentido de atender à demanda de aprendizagem e ainda ofertando possibilidades de ampliação do desenvolvimento humano em seus diversos âmbitos, poderá ser a forma mais propícia para a prática do desenvolvimento dos objetivos educacionais previstos nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica4.

5. O processo de aprendizagem do Professor e sua prática na Educação Integral

Ao refletir sobre a educação integral se impõem questionamentos sobre a formação e aprendizagem dos professores. Nesse sentido, o relatório presente no livro “Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola”, organizado pelos psicólogos estadunidenses do Comitê de Desenvolvimento da Ciência da Aprendizagem, John D. Bransdsford, Ann L. Brown e Rodney R. Cocking, em 2007, mostra-se um documento capaz de trazer novas perspectivas sobre esse assunto.
Nesse material, os autores apresentam na Parte III um estudo sobre o Professor e o ensino que trazem ricas contribuições a esse campo de pesquisa. Composto por quatro capítulos, os autores explicitam o projeto dos ambientes de aprendizagem, exemplos de ensino efetivo, aprendizagem do professor e o uso das tecnologias de apoio à aprendizagem.
Especialmente no capítulo 8, que trata da aprendizagem do professor, é possível observar elementos que, de certa forma, compõem o que poderia caracterizar um processo de como os professores aprendem a ensinar e garantir a aprendizagem dos estudantes.
Bransdsford, Brown e Rodney (2007) apontam que, de acordo com suas pesquisas, os professores aprendem de cinco modos peculiares:
1 – Com a própria prática: adquirem novo conhecimento e nova compreensão de seus alunos, da escola, do currículo e dos métodos por meio de experiência prática no exercício da profissão.
2 – Ao interagir com outros professores: professor mais experiente assessora os professores novatos no horário de trabalho e também fora da escola, em associações profisisonais e sindicatos.
3 – Com educadores de professores: programas de estágios e projetos de aperfeiçoamento ministrados por consultores.
4 – Em cursos de pós-graduação: vinculação de melhoria salarial à titulação.
5 – Fora do ambiente profissional formal: ao terem filhos, em atividades de treinamento com jovens de sua comunidade.
Com isso, os autores salientam que o processo de aprendizagem dos professores ocorre em diferentes lugares e em diversas situações, contribuindo com isso uma vasta rede de saberes e possibilidades.
Esses autores indicam também que ao focar a aprendizagem pessoal, é possível constatar que os professores tendem a estabelecer modos peculiares de construir esse processo. Por exemplo, citam que muitos professores, ao buscar o desenvolvimento profissional e pessoal, criam grupos de interesse em torno de temas e projetos específicos; organizam partilha de experiências utilizando ferramentas de aprendizagem on line elaborando o próprio conhecimento e criando oportunidades de aprofundar o conhecimento do conteúdo pedagógico; aprendem a ensinar vivenciando feedback e refletindo sobre a própria prática a fim de melhorá-la; frequentam cursos que auxiliam a perceber aspectos da prática e, que, ao estabelecerem relação com a comunidade, os professores estariam desenvolvendo um tipo de aprendizagem que requer colaboração e participação na pesquisa e prática educacional.
Bransdsford, Brown e Rodney (2007) sinalizam, na parte final do capítulo, que, de acordo com a Comissão Nacional de Ensino dos Estados Unidos, existem problemas naquilo que chama de Formação pré profissional, equivalente ao que é comumento chamada no Brasil de formação inicial, como: Tempo inadequado, Fragmentação, Métodos de ensino desinteressantes e Currículo superficial.
Com essa série de observações, esses autores concluem que a aprendizagem do professor requer um série contínua de esforços coordenados a partir de conhecimentos da ciência da aprendizagem, o que representa um desafio importante, não sendo, no entanto, uma tarefa impossível.
Com esses estudos, torna-se importante salientar que, em Educação Integral, para atingir os objetivos de uma formação humana integral, estabelece-se a necessidade da formação de um novo professor, que, ao conscientizar-se sobre a própria formação, contribui substancialmente para a educação dos estudantes.
No sentido de apresentar uma prática docente coerente com os sentidos e significados humanizadores trazidos pela concepção de Educação Integral, torna-se relevante mencionar as importantes contribuições trazidas pela professora Veronica Branco (2013) no material “Percursos da Educação Integral: em busca da qualidade e da equidade”, publicado pela Fundação Itaú Social. No texto intitulado “Formação de professores para a Educação Integral”, a professora apresenta inúmeros questionamentos e uma análise contundente das práticas, possibilidades e necessidades de formação aos professores que se colocam a desenvolver seu trabalho em processos de educação Integral.
Dentre os apontamentos, Branco (2013) destaca que o foco na concepção contemporânea de Educação Integral é a aprendizagem, a integração dos conteúdos curriculares, a expansão do território escolar para além de seus muros e a admissão de novos atores para participarem da formação dos alunos.
Na elaboração desse novo perfil e dessa postura nova em relação ao processo de ensinar e de aprender, instaura-se a necessidade de uma formação de professores que priorize verdadeiramente os modos de aprender e consolidar novos métodos para fazer aprender.

O que aprendemos com a oferta de cursos de formação continuada dos professores para este Programa: que cada um destes destaques implica mudanças na formação e atuação dos professores, porque para focar a aprendizagem é preciso ter clareza de como se aprende. Primeiramente, é preciso demarcar o que as pesquisas e as nossas práticas já comprovaram: não se aprende por transmissão (aula expositiva), treino repetitivo (cópia), no isolamento (cada aluno numa das carteiras enfileiradas), e tampouco em um tempo predefinido (a hora-aula do professor). Os alunos não são uma massa uniforme. A sala de aula não é o único lugar de aprendizagem. O professor não pode, sozinho, entre outras razões, pela limitação de sua formação, e dos recursos da escola, dar conta de oferecer todas as oportunidades de aprendizagem que os alunos precisam (BRANCO, 2013, p. 102).

Essa nova concepção, de entender e mediar processos de ensino aprendizagem na perspectiva da Educação Integral, exige salientar que, de acordo ainda com Branco (2013), “[...] o professor não pode, sozinho, entre outras razões, pela limitação de sua formação, e dos recursos da escola, dar conta de oferecer todas as oportunidades de aprendizagem que os alunos precisam” (p. 103). É um trabalho que se estabelece no bojo da formação, do estudo, da reflexão, do diálogo e, sobretudo, da inserção do coletivo da escola nas relações que se estabelecem entre os conteúdos curriculares e a vida dos estudantes, considerando os seus contextos de vida e de convivência.
No texto mencionado, Branco aponta como perfil desejável que o professor desenvolva sua competência para ensinar com base numa concepção que o entende como “[...] mediador no levantamento de interesses dos alunos, na compatibilização dos conteúdos curriculares, no planejamento, na busca, no questionamento e na interpretação das informações para que elas se transformem em conhecimento e em aprendizagem” (p. 103).
Essa nova postura, esse novo modo de trabalhar do professor, projeta “[...] o surgimento de uma nova escola, de novos professores e orientadores da aprendizagem para os alunos do século XXI” (BRANCO, 2013, p. 103).

6. Considerações Finais

É inegável as constribuições do educador brasileiro, Anisio Teixeira, às reflexões e práticas em torno da educação. Mais do que um pensador, foi um articulador e um cidadão que denunciou com veemência o atraso e o arcaísmo das escolas como um todo. A partir dele, pode-se dizer que se estabelece no Brasil uma espécie de tradição democratizante, na qual se consolida uma história de enfrentamento dos interesses reacionários e conservadores contra a efetivação do direito à educação e a favor de uma pedagogia da esfera pública. Através de Anisio, também emerge o diálogo entre educadores e cientistas sociais com o objetivo de instituir a educação como objeto de investigação e investi-la da dignidade acadêmica, o que a universidade elitista lhe recusava. Essas lições são inesquecíveis e, nesse sentido, a obra de Anísio é, para além dos resultados, um núcleo de reflexão que se abre incessantemente de forma original.
Assim, apresentar Anísio Teixeira como nosso contemporâneo é elogiar a sua obra pela atualidade das questões e a clareza de propósitos e tratamento com que foram apresentadas e discutidas. É também não aceitar passivamente o sucateamento dos serviços públicos prestados à população, dentre os quais a educação se inclui, a desonestidade de interesses espúrios que desviam verbas públicas e renegam a justiça social como princípio, a arrogância da universidade quando seus intelectuais, em nome da competência específica, desvalorizam a educação como objeto de investigação e conhecimento e abdicam do exame das suas questões no presente.
Quando escreveu Educação não é privilégio, livro que tanta polêmica causou, Anísio chama atenção para a importância do comprometimento da sociedade e dos poderes públicos com a educação brasileira. Esse compromisso é, ainda hoje, uma questão de sobrevivência social, cultural e política. Como ele mostrou, o preço do reacionarismo e do conservadorismo, cultivados em estreitas e egoístas reivindicações pessoais, que impedem a visão da democracia como uma filosofia política e da educação como um campo de esforços para a sua realização, nunca é inocente.
É nesse perspectiva, de análise, de crítica, mas sobretudo, de esperança e altruísmo, que a Educação Integral reaforma suas bases, pressupondo um conjunto de estratégias para a formação completa do ser humano, ampliando a concepção da educação proporcionada pela escola e pela família, abrindo espaço para o envolvimento e a responsabilidade de toda a sociedade em relação às novas gerações. Fundamenta-se, portanto, na integração de tempos, espaços e conteúdos no interior das escolas.
E para efetivação disso, há que se considerar a necessidade da prática de uma nova tendência de formação de professores, uma nova concepção do docente, considerando-o um profissional competente, reflexivo e aberto à colaboração com seus colegas. Essa conceituação, traz consigo, algumas implicações para o planejamento da formação como por exemplo, considerar que os docentes não partem do zero para realizar suas práticas, tampouco para atualizar suas metodologias, pois possuem uma formação e uma experiência durante a qual adquiriram crenças, teorias pedagógicas e esquemas de trabalho; e também, considerar a formação a partir da comparação e do questionamento da própria prática e em relação a outros colegas. Isso exige, na formação, um componente de coordenação e colaboração. E nesse sentido, o documento estadunidense deixou claro como se processa a aprendizagem do como ensinar por parte do professor.
Ressalta-se, ainda, que os professores, via de regra, possuem formação que o condiona a professar uma epistemologia empirista. Essa concepção epistemológica impede, muitas vezes, que se avancew pedagogicamente. Afinal, os avanços pedagógicos implicam mudança no modelo epistemológico que sustenta as crenças, os valores, as verdades de cada professor. Para essa mudança, há que se concretizar processos de reflexão, de diálogo, de estudos, considerando que o empirismo fundaqmenta-se na relação com o mundo da repetição, da imitação e da cópia, extremamente denunciadopor Anisio Teixeira.
De um outro ângulo, uma qualidade antipedagógica da epistemologia empirista é o autoritarismo, que nela encontra sua fundamentação e legitimação teórica e prática. Isso, de certa forma, explica o porquê os professores, em geral, acreditam que seu ensino tem poder ilimitado para produzir aprendizagens; se esta não ocorre a culpa é do aluno. O resultado disso é a morte da criatividade. E, evidente está, que essa postura epistemológica e prática vai contra a concepção da Educação Integral que entende o estudante em sua integralidade como pessoa. Faz-se necessário potencializar um espaços de formação do professor que facilite a apropriação e o comprometimento destes com a prática da educação integral.
Finalmente, ressalta-se que as críticas realizadas ao longo das décadas a respeito dos erros e das falhas presentes na educação escolar brasileira contribuíram e muito para trazer novos olhares e novas perspectivas ao cotidiano da escola. Porém, o que emerge agora é a necessidade de aterrisar na escola novas práticas e novas perspectivas que considerem o estudante em suas possibilidades e peculiaridades de aprendizagem. E não mais simplesmente como um número a ser aprovado ou reprovado. A vida na escola deve tomar o seu lugar!



7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRANSFORD, J. D.; BROWN, A. L.; COCKING, R. R. (Org.). Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. Trad. Carlos David Szlak. Comitê de Desenvolvimento da Ciência da Aprendizagem, Comitê de Pesquisa da Aprendizagem e da Prática Educacional, Comissão de Educação e Ciências Sociais e do Comportamento, Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos. São Paulo: Editora Senac. 2007. p. 171 a 263.
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______. Educação é um direito. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. p. 27 - 102.
______. Ciência e arte de educar. In: TEIXEIRA, A. Educação e o mundo moderno. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. p. 67 - 85.

1Professor Pedagogo da rede estadual de ensino do Paraná. Atua no Colégio Estadual do Paraná. Mestrando em Educação Pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: supervisoralex@bol.com.br

2Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité, sertão da Bahia, em 12 de julho de 1900, filho de Anna Spínola Teixeira e Deocleciano Pires Teixeira. Após sólida formação adquirida no Instituto São Luiz Gonzaga, em Caetité, e no Colégio Antonio Vieira, em Salvador, ambos colégios católicos jesuítas, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, em 1922, e obteve o título de Master of Arts pelo Teachers College da Columbia University, em 1929. Casou-se, em 1932, com Emília Telles Ferreira, com quem teve quatro filhos. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1971 (Clarice Nunes, in Fávero e Britto 1999, pp. 51-55).

3 O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", datado de 1932, foi escrito durante o governo de Getúlio Vargas e consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Redigido por Fernando de Azevedo, dentre 26 intelectuais, entre os quais Roldão Lopes de Barros, Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Antônio F. Almeida Junior, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. Ao ser lançado, no meio do processo de reordenação política resultante da Revolução de 30, o documento tornou-se o marco inaugural do projeto de renovação educacional do país. Além de constatar a desorganização do aparelho escolar, propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. O movimento reformador foi alvo da crítica forte e continuada da Igreja Católica, que naquela conjuntura era forte concorrente do Estado na expectativa de educar a população, e tinha sob seu controle a propriedade e a orientação de parcela expressiva das escolas da rede privada.



4 Documento de caráter teórico e metodológico que fundamenta e orienta o ensino das disciplinas de tradição curricular da Educação Básica. São frutos de discussão coletiva realizada durante seis anos (2004-2009) que envolveu todos os professores da rede estadual de ensino. Disponível em: <http://www.cidadao.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=193>. Acesso em 01/12/2014.

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