Alexandro Muhlstedt
Onde
quer que haja mulheres e homens há sempre o que fazer,
há
sempre o que ensinar, há sempre o que aprender.
(Paulo
Freire)
Todos
eles traziam sacolas,
que pareciam muito pesadas. Amarraram bem seus cavalos e um deles
adiantou- se em direção a uma rocha e gritou: “Abre-te, cérebro.
(Arnaldo
Antunes)
Ensinar
não é a mesma coisa que fazer aprender, ainda que, muitas vezes,
para fazer o aluno aprender, o professor tenha que ensinar.
(Bernard
Charlot)
Ensinar é atividade tão antiga
quanto a própria vida humana. No entanto, ensinar sistematicamente
numa instituição de ensino é algo recente na história da
humanidade, sendo esta função do professor, entendido como o
profissional do ensino.
A atividade de ensinar ligada à
profissão de professor só apareceu no século XVIII, nas lutas por
democratização, empreendidas pela revolução burguesa. ARANHA
(2006, p. 172) aponta que “contra os privilégios hereditários da
nobreza, os burgueses defendiam os princípios de igualdade,
liberdade e fraternidade”. A revolução burguesa representa a
tomada pelo Estado burguês à função de instrução pública como
forma de legitimar seu poder, encontrando neste papel uma forma de
coesão social, articulando seus interesses aos das classes
subalternas. Nesse contexto, aparece a atividade profissional de
professor.
A docência, como atividade de ensino
e instrução, é um termo recente na Língua Portuguesa e refere-se
ao trabalho dos professores. É uma atividade profissional
especializada, ou seja, caracterizada como profissão (construção
social) e produzida pelas ações dos docentes – sujeitos da
própria história (construção pessoal). Para exercer a docência é
necessário a formação profissional na qual o sujeito deverá
adquirir os conhecimentos específicos e, a partir deles, construir
saberes para realizar sua atividade em sala de aula, na escola. Esses
conhecimentos, com densidade epistemológica, adquiridos em cursos de
Licenciatura, constituem a formação inicial, e a partir deles,
juntamente com a prática docente, na relação com outros
profissionais e nos cursos de formação continuada, vão
determinando os saberes pedagógicos e também elaborando quadros de
dúvidas, de certezas, de perplexidades, de compromissos, de escolhas
e de vontades.
Compreender o processo de formação
do professor, bem como as suas ações no cotidiano escolar e suas
relações com os alunos e demais professores, é tarefa que exige
pesquisa, diálogo, observação e interação, pois o professor e
sua ação docente “não nasce ontologicamente com a pessoa, nem
depende de um despertar mágico ou de uma iluminação súbita da
consciência para um compromisso até então ausente de um projeto de
vida” (ROMÃO, 2001, p.64).
Entende-se, então, que a relação
que se estabelece entre o sujeito e a profissão ocorre ao longo da
vida produtiva, num processo contínuo, no qual ocorrem experiências
estimulantes e motivadores junto com outras carregadas de tensão,
conflitos e desânimo. Esse processo pessoal, que sofre as
interferências dos demais participantes do cotidiano escolar,
transforma o próprio sujeito. Essas vivências se constituem pelo
diálogo com os outros e com a própria realidade, pois é “através
de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, (que)
os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem seres
históricos-sociais” (FREIRE, 1987, p. 92).
As condições de trabalho (exteriores
ao sujeito e também internas) constituem a realidade profissional
vivenciada pelo professor. As lutas para a melhoria dessas condições
caracterizam, em certa medida, o comprometimento e o compromisso do
sujeito com o seu trabalho e com o seu ambiente de trabalho. E a
melhoria nessas condições reflete de forma positiva sobre a
profissão e seu papel social.
Paulo Freire preocupou-se em discutir
a educação brasileira e pensar meios de torná-la melhor mediante o
compromisso e a participação de todos. Essa análise foi
desenvolvida na perspectiva de uma educação libertadora, capaz de
contribuir para que o aluno se torne sujeito de seu próprio
desenvolvimento, diante da presença orientadora que tem o professor.
Para Freire, a educação é ato de
amor e coragem, sustentada no diálogo, na discussão, no debate. E
isso requer o olhar para os saberes dos homens e mulheres, já que
não se ignora tudo, da mesma forma que não se domina tudo. Cabe
realizar a compreensão de que a história é um processo de
participação de todos, e neste sentido é na escola que se encontra
mais um lugar privilegiado para o ensino e a aprendizagem. Local que
deve ser constituído pela sua natureza e especificidade. Segundo
ele, é necessário ainda que seja conferido ao homem o direito de
dizer sua palavra, o que significa sua iniciação quanto a
compreender-se e aos demais homens no mundo, e seu papel no processo
de transformação. Compreender que o homem é um ser histórico e,
portanto capaz de construir sua história participando ativamente com
os outros no mundo.
Para Paulo Freire, “o papel do
professor é ajudar o aluno a descobrirem que dentro das dificuldades
há um momento de prazer, de alegria” (FREIRE, 2003, p. 52). Para
tanto, torna-se prioritário a prática do diálogo em que ambos,
educador e educando, através da realização de seus objetivos
chegam ao acesso do saber historicamente elaborado pelo exercício
cultural da humanidade.
Ainda de acordo com Paulo Freire, “o
educador como um intelectual tem que intervir. Não pode ser um mero
facilitador” (2003, p.177), o que traduz a exigência da formação
docente para o exercício pleno de sua função pedagógica, enquanto
articulador do processo ensino e aprendizagem.
O exercício da docência impõe ao
educador a seriedade da sua formação, sendo que de acordo com Paulo
Freire “a incompetência profissional desqualifica a autoridade do
professor” (2007, p. 92).
Paulo Freire traz para a realidade
escolar, o pensar educação. Permite o reencontro com a esperança
de um trabalho comprometido, responsável. Possível, se emanado no
coletivo escolar. Uma necessária compreensão de que a escola é
lugar de gente, onde se faz amigos, nada de ser como a do tijolo que
forma a parede, indiferente, frio, só. É essa escola que se deseja
construir: humana, capaz de compreender os desafios de seu tempo,
comprometida com as gerações futuras, que luta pelo melhor viver,
que reconhece fatos e gestos, que une conhecimentos, que recorda e
que se reinventa. Para Paulo Freire (2006, p. 111), uma escola em que
“o direito de saber melhor o que já sabem, ao lado de outro
direito, o de participar, de algum modo, da produção do saber ainda
não existente”.
Ante a este ideal de trabalho docente,
bem como uma meta, em essência e nas condições físicas e
materiais, não se pode deixar de refletir que as grandes
transformações pelas quais o
mundo do trabalho vem passando estão mudando também as
características do trabalho em educação. De modo geral, observa-se
a massificação do ensino, a mercantilização, a expansão do
ensino superior privado, a utilização das estratégias
organizacionais voltadas para o lucro. Todos estes fatores favorecem
a comercialização do ensino e são passíveis de serem vistos no
contexto atual de educação.
Ao mesmo tempo, influenciam também o
perfil do professor, que vem sendo rediscutido, na tentativa de
atender a estas demandas. As características atribuídas ao
professor acabam sendo delineadas pelo contexto socioeconômico e
político e pela inserção de novas tecnologias.
Observa-se uma desvalorização da
figura do professor, a perda de prestígio, de poder aquisitivo, de
condições de vida e, sobretudo, de respeito e satisfação no
exercício da profissão. Freitas (2007) mostra o triste e real
cenário, onde o professor é considerado um “aulista”, não
podendo, em grande parte, emitir juízo sobre seu trabalho na sala de
aula.
Como consequência desse novo cenário
a escola pode ser considerada um lugar de risco para a saúde. O
excesso de trabalho tem sido produzido pela mudança na prática de
ensino, com a incorporação de novas tecnologias que ajudam, mas,
aceleram o ritmo de trabalho. Além das competências relacionadas à
sua área de conhecimento específica e à sala de aula, o professor
deve ter conhecimentos tecnológicos mínimos para preparar seu
material didático, usando instrumentos cada vez mais sofisticados.
Tornam-se frequentes as doenças psicossomáticas entre professores
de todos os níveis e ambientes de trabalho. Gastrite, taquicardia,
hipertensão, irritabilidade, insônia, depressão e síndrome do
pânico estão entre os males mais diagnosticados (FREITAS, 2007). O
estresse profissional se alimenta hoje de múltiplas fontes. A sala
de aula, o relacionamento com os alunos, as cobranças excessivas, a
falta de tempo, a competição, a contínua atualização tecnológica
e da área de estudos dão origem a uma fadiga institucional que
coloca a carreira como uma das mais estressantes e desgastantes
(CODO, 1999; ESTEVE, 1999; FREITAS, 2007).
Estas constatações, evidentemente,
não devem ser impeditivos para as buscas de transformações
proferidas por Paulo Freire. Devem, sim, ser analisadas em seu
conjunto e, uma vez que estão situadas em contextos plurais e
dinâmicos, precisam ser entendidas como desafios a serem enfrentados
pelos docentes, em sua coletividade. A
própria atividade docente demanda a adoção de variadas atitudes,
por vezes lançando mão de posturas criativas para fazer frente às
situações práticas que implicam atividades interativas, entre
professor e aluno, professor e profissionais da educação,
familiares de alunos, etc. (TAVARES, 2001).
Algumas estratégias são possíveis
para o desenvolvimento de compreensões mais apuradas da realidade
escolar, bem como na forma dos professores se organizarem e se
posicionarem ante a profissão que escolheram: o
diálogo com a situação e
entre os pares para o desvelamento de aspectos implícitos e nem
sempre contemplados da realidade divergente, estimulando a criação
de novos marcos de referencia;
o autoconhecimento das
características dos modos de ser professor, problematizando a
própria prática e as atividades docentes;
a reflexão como forma de
encarar e responder aos problemas, em um processo de busca de
soluções e a flexibilidade
para diferentes formas de agir, nas distintas situações da
realidade.
Essas
estratégias se tornam práticas cotidianas quando o
professor, ao posicionar-se de forma crítico-reflexiva, preocupa-se
verdadeiramente com as consequências éticas e morais de suas ações
na prática social, quando
insere a escolarização diretamente na esfera política e
vice-versa, concebe os alunos como agentes críticos, o conhecimento
e torna problemático, o diálogo crítico e afirmativo e os
argumentos, a favor de um mundo melhor para todas as pessoas. Nessa
perspectiva de prática pedagógica, o professor considera a voz
ativa dos alunos, cujos sentidos e significados de ser e estar no
mundo, construídos historicamente, permeiam todas as suas ações no
que se refere à sua aprendizagem, à escola e à sociedade.
Por
isso, é necessário agir. Não uma ação solitária, ingênua,
acrítica, e utilitarista, simplesmente. Mas agir de modo coletivo,
evitando a inércia profissional, as queixas miúdas, o pensamento
raso e as lamentações vazias. Agir com coerência, em prol de
condições adequadas e de novas possibilidades de ensino. Agir para
realmente constituir a sala de aula espaço de diálogo, ensino e
aprendizagem. Agir para que as relações entre os professores se
consolidem pedagogicamente. Para isso, um processo de formação
continuada é fundamental,
desde que envolva a teoria que mobiliza a prática e a socialização
das experiências que avalia e transforma a prática, num processo de
construção constante. Assim sendo, faz sentido, mesmo que não se
tenha todas as respostas, envolver-se na tarefa de criar,
coletivamente, formas de atuação na escola, numa superação da
tentação de estar só.
E, uma vez definidos os caminhos da
ação, o que é essencial para uma prática realmente crítica e
reflexiva?
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TAVARES,
J. Resiliência
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2 ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2001.
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