terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ENSINO E REFLEXÃO: O professor reflexivo

Alexandro Muhlstedt

Que fique para trás o mundo moderno essencialmente racional, que buscou (utópica e inutilmente) uma unidade universal de indivíduo, para que vivamos num mundo moderno reflexivo.
(Anthony Giddens)

A educação será tão mais plena quanto mais esteja sendo um ato de conhecimento, um ato político, um compromisso ético e uma experiência estética.
(Paulo Freire)

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro a tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador.
A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente,
na prática e na reflexão sobre a prática.
(Paulo Freire)

Eu quero sempre mais do quem vem dos milagres.

(Cecília Meireles)


Na elaboração e reelaboração do processo de humanização, o papel desempenhado pelo professor assume contornos complexos, que exige profissional comprometido e ético, pois não se pode mais admitir “o ensino como transferência de informação e a aprendizagem, como o recebimento, a armazenagem e a digestão de informações” (SCHÖN, 2000, p. 226). É necessário construir uma identidade profissional combinada com uma prática pedagógica adequada ao mundo moderno. Neste sentido, é o conhecimento historicamente elaborado que serve de pano de fundo para a práxis pedagógica do professor.
Este tratamento pedagógico dado ao conhecimento é atividade que ocorre ao longo da carreira do professor. No decorrer de sua existência profissional, elaborando os saberes da docência, o professor comprometido passa por um importante processo de reflexão sobre a própria prática (SCHÖN, 2000. p.21). E é justamente a tomada de consciência desse processo reflexivo que concretiza a existência de um professor-reflexivo. Ao estudar essa “cultura reflexiva” incorporada a um perfil de professor nota-se que um dos autores que teve maior peso na difusão do conceito de “reflexão” foi Donald Schön, filósofo e pedagogo norte-americano que tem seus estudos e suas preocupações centrados nos problemas de aprendizagem, nas organizações e na eficácia profissional. Os pressupostos de Schön, apoiados na herança do pensamento de John Dewey1 acerca da reflexão aplicada às questões educacionais, começaram a ser difundidos por meio de seus livros “The Reflective Practitioner”2 e “Educating the Reflective Practitioner”3, que contribuíram para popularizar as teorias sobre a epistemologia da prática (termo utilizado para referir-se ao estudo das teorias do conhecimento, adquirido através de atividades práticas).
Conforme Lüdke (2000), a partir da proposta de Schön acerca do reflexive practitioner, surgiu a idéia de pesquisa como parte do trabalho do professor, e do próprio professor como pesquisador. Daí a crítica ao processo de formação de professores principalmente quanto à dicotomia teoria e prática e à distância entre as pesquisas acadêmicas e os problemas vividos pelos docentes no dia-a-dia de sua profissão.
Ao se deparar com a realidade escolar, o professor passa a enfrentar os dilemas de formação obtida na Licenciatura e as exigências impregnadas na vivência em sala de aula da escola pública. Isso é o início de uma aprendizagem docente que constituirá um saber elaborado por meio do fazer. Segundo Schön (2000), os professores criam um conhecimento específico e ligado à ação; é pessoal, tácito, não-sistemático, espontâneo, intuitivo, experimental e cotidiano. Esta análise cria a categoria professor-reflexivo e os conceitos reflexão-na-ação, reflexão-sobre-a-ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação.
De acordo com Schön, a reflexão-na-ação consiste em refletir no meio da ação, sem interrompê-la. O pensamento conduz a dar nova forma ao que está sendo feito, no momento em que está sendo feito, possibilitando interferir na situação em desenvolvimento. Para ele, observando e refletindo sobre as ações, pode-se descrever um conhecimento que nelas está implícito. Então, mediante a observação e a reflexão, pode-se descrever e explicitar essas ações e, para isso, posicionando-se diante do que se deseja observar, podendo, então, encontrar novas pistas para a solução dos problemas que se apresentam. É um processo de diálogo com a situação problemática que exige uma intervenção concreta. O autor considera que, nesse processo, o profissional envolvido com a situação, encontra-se constrangido pelas pressões espaciais e temporais e pelas solicitações psicológicas e sociais do cenário em que atua. Portanto, como assevera Gómez (1992) “é um processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requerido pela análise racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e com a grandeza da improvisação e criação”
A reflexão-sobre-a-ação consiste em pensar retrospectivamente sobre o que foi feito, almejando descobrir como o ato de conhecer-na-ação pode ter contribuído para um resultado inesperado. Esse “conhecimento-na-ação” traz consigo um saber que está presente nas ações profissionais as quais, por sua vez, vêm carregadas de um “saber escolar”, entendido como um tipo de conhecimento supostamente possuído pelos profissionais; uma visão dos saberes profissionais como fatos e teorias aceitos. É esse “saber escolar” que possibilita ao profissional transitar no seu meio e poder agir, por possuir “um conhecimento na ação”. Porém, o “saber escolar” também se caracteriza por estar colado a um certo modo de enfrentamento das situações do cotidiano e por revelar um conhecimento espontâneo, intuitivo, experimental. O conhecimento, portanto, está na ação em si, e o revelamos por meio de ações espontâneas e habilidades.
Diferentemente, a reflexão sobre a reflexão-na-ação repousa no ato de pensar sobre a reflexão-na-ação passada, consolidando o entendimento de determinada situação e, desta forma, possibilitando a adoção de uma nova estratégia. Esse momento pode ser considerado como a análise que o professor realiza a posteriori sobre as características e processos da sua própria ação. É a utilização do conhecimento para descrever, analisar e avaliar os vestígios deixados na memória por intervenções anteriores. Para o autor, “na reflexão sobre a ação, o profissional prático, liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceituais e as estratégias de análise no sentido da compreensão e da reconstrução da sua prática”. Esse distanciamento da ação presente, para refletir, é um movimento que pode ser desencadeado sem gerar, necessariamente, uma explicação verbal, uma sistematização teórica. Todavia, ao produzir uma descrição verbal, isto é, uma reflexão sobre a reflexão da ação passada, pode influir, diretamente, em ações futuras, colocando em prova uma nova compreensão do problema. Esse momento é caracterizado pela intenção de se produzir uma descrição verbal da “reflexão-na-ação”. É necessário, ainda, a capacidade de se refletir acerca da descrição resultante, podendo-se gerar modificações em ações futuras, ou seja: quando se reflete sobre a “reflexão-na-ação”, julgando e compreendendo o problema, pode-se imaginar uma solução para ele.
Esses três processos descritos - reflexão-na-ação, reflexão-sobre-a-ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação - constituem o “pensamento prático” do profissional, com o qual enfrenta as situações “divergentes” da prática. Esses processos não são independentes, mas, sim, completam-se entre si para garantir uma intervenção prática racional.
Sendo no exercício compartilhado em busca de soluções para dificuldades individuais e coletivas é que, de acordo com Schön, a reflexão na ação e sobre a ação podem se constituir em forte aliada profissional. É possível reconhecer que “todos nós que habitamos a escola sabemos que fazemos parte de um sistema social onde coexistem diferentes actores, diferentes filosofias, percepções e objetivos e muitos jogos de poder conflituosos.” (ALARCÃO, 2010, p. 96). Assim, construir a si mesmo, num ambiente dessa natureza, exige a capacidade de mobilizar-se em direção à concretização de atividades compartilhadas, em constante desenvolvimento porque coletivamente construídos.
Nesse contexto, merece atenção o modo como o professor realiza a reflexão sobre as suas práticas pedagógicas e como procede a relação de sua vida com a vida profissional. Para assegurar um processo pedagógico reflexivo há que se investir na formação de um sujeito ativo e reflexivo, reorganizando atividades escolares, revendo acumulação de informação e buscar a interpretação da informação.
Schön (1992, p. 81) aponta que é importante formar um professor reflexivo, que dê conta de lidar com confusão e incerteza que surgem na sua ação, tanto por parte dos alunos quanto do próprio professor, pois é impossível aprender sem ficar confuso. A formação pedagógica deve levar em conta, portanto, uma formação de professor que tenha um practicum reflexivo.
O conteúdo da reflexão se forma através das relações sociais de produção situadas ideologicamente como pessoas de determinada classe que lutam contra certas práticas. A reflexão também é, então, ideológica por sustentar, reproduzir, transformar estas práticas, criando distintas relações entre as pessoas, entre estas e o processo de produção, de tomada de decisões e de comunicação.
Nesta proposta fica evidente a importância da ação prática do professor, que quase se autonomiza. Assim, para evitar certo espontaneísmo e elaboração de uma concepção de reflexão com perspectiva meramente individual, é que a prática reflexiva pressupõe uma situação institucional, coletiva, e deve levar também à ação, de modo a promover alterações desde a sala de aula, a escola e a comunidade até as estruturas sociais mais amplas.
Desse modo, a atenção do professor estará voltada para a sua própria prática e para as condições sociais nas quais a mesma se situa, numa perspectiva democrática e emancipatória. Tornar o ensino reflexivo é tornar mais conscientes os saberes tácitos: criticá-los, examiná-los e melhorá-los. A prática reflexiva tem compromisso com a reflexão como prática social.
A tarefa de investigar a própria prática, de examinar o rigor e a coerência ou não com o que foi realizado, de avaliar as próprias percepções, é uma tarefa de prática teórica que a investigação-ação escolar, permite construir uma identidade mais próxima do compromisso social com o desenvolvimento humano e com o próprio processo de humanização.
Os professores que refletem em ação e sobre a ação estão envolvidos num processo investigativo, não só tentando compreender melhor a si próprios como professores, mas também procurando melhorar o seu ensino. A profissionalidade desse professor envolve: o empenho para o questionamento sistemático do próprio ensino como uma base para o desenvolvimento; o empenho e as competências para estudar o seu próprio ensino; a preocupação para questionar e testar teoria na prática fazendo uso dessas competências e a disponibilidade para permitir a outros professores observar o seu trabalho – diretamente ou através de registos e discuti-los numa base de honestidade. Esta perspectiva pressupõe que ensinar é mais do que uma arte. É uma procura constante com o objetivo de criar condições para que aconteçam aprendizagens.
A ideia de reflexão surge associada ao modo como se lida com problemas da prática docente à possibilidade do professor aceitar um estado de incerteza e estar aberto a novas hipóteses. Com isso, acaba dando forma a esses problemas, descobrindo novos caminhos, construindo e concretizando soluções. Este processo envolve, pois, um equacionar e reequacionar de uma situação problemática. Num primeiro momento há o reconhecimento de um problema e a identificação do contexto em que ele surge e, num segundo momento, a conversação com o “repertório de imagens, teorias, compreensões e ações” (SCHÖN, 2000, p. 31) criando uma nova maneira de o ver. A reconstrução de algumas ações pode resultar em novas compreensões da situação. E isto é pressuposto do processo reflexivo, que se caracteriza por um vaivém permanente entre acontecer e compreender na procura de significado das experiências vividas.
Thompson (1992 apud OLIVEIRA; SERRAZINA, 2002, p. 34) afirma que o professor é conduzido, através da reflexão na sua própria prática e, especialmente, através da reflexão sobre ela a obter uma visão crítica do contexto estrutural ou ideológico em que trabalha. A reflexão desempenha, então, um papel essencial sobre o conteúdo a ensinar, sobre as suas próprias práticas e sobre o que é o ensino e a aprendizagem. Isso pode levar à alteração de crenças e concepções sobre o que é ensinar e da relação do professor com a disciplina que ministra.
O processo reflexivo caracteriza-se por um vaivém permanente entre acontecer e compreender na procura de significado das experiências vividas. Há, através das práticas, um ganho na compreensão e esta nova compreensão pode fazer surgir um insight sobre o que significa ser professor. Deste modo, a artistry do professor, metáfora útil para expressar o que os professores em cooperação são capazes de fazer, vai-se desenvolvendo. Claramente, os vários tipos de reflexão têm um papel importante no desenvolvimento da artistry, segundo Schön (1987).
Só a reflexão, no entanto, não é suficiente para empreender mudanças. Ela tem de ter força para provocar a ação. A ação exige um ambiente propício, como por exemplo, uma equipe comprometida com o projeto de escola e de sociedade, como uma forma de enriquecer a reflexão individual. Esta equipe de reflexão funciona como o espaço onde se colocam e discutem as questões que resultam da prática, onde se sentem novas necessidades e se constroem novos conhecimentos.
Refletir sobre a ação e na ação, constituindo-se sujeito reflexivo, leva o professor a extrapolar o âmbito de questões pedagógicas. A realidade, longe de ser trivial, aproxima de questões da esfera macro, fazendo pensar sobre as políticas públicas em suas finalidades e intencionalidades. E nesta perspectiva, o processo educativo assegura os espaços de interlocução, de identificação de relações de poder, de papéis sociais, de diferenças e de identificações. Por isso mesmo, o professor que reflete em ação e sobre a ação está envolvido num processo investigativo, não só tentando compreender melhor a si próprio como professor, mas também procurando melhorar o seu ensino.
Assim, construir a identidade de professor reflexivo é analisar o saber escolar tendo como ponto de partida o professor e sua ação. Não se pretende, portanto, analisar a reação do saber escolar com o saber de referência, embora seja o fio condutor da prática docente. A concepção que se pretende explorar é sobre o saber escolar que surge de preocupações com o saber do professor e não com o saber escolar propriamente dito. Nesta perspectiva, ensinar os saberes escolares é uma procura constante com o objetivo de criar condições para que aconteçam aprendizagens.
Conforme afirma Zeichner (1981), o ensino reflexivo requer uma permanente autoanálise por parte do professor, o que implica abertura de espírito, análise rigorosa e consciência social. Esse mesmo autor dá um exemplo: quando se fala em ensino de Química, o professor tem de analisar a situação concreta, perceber os alunos com que trabalhará, o que se espera que eles aprendam em Química, o que se entende hoje por aprender e ensinar Química e o seu papel na formação pessoal e social do aluno. É este processo investigativo realizado pelo professor, em termos individuais e coletivos, que o leva a ação. Para que este processo tenha sucesso é necessário que o professor questione e reflita sobre situações de sala de aula e que o faça no contexto da sua realidade.
De acordo com Resende (apud VEIGA, 2003, p. 255) os sujeitos reflexivos são sujeitos coletivos, pela consciência do não isolamento científico; sujeitos concretos e históricos, tendo o contexto e as circunstâncias vivenciadas como referenciais; sujeitos sociais, pela não-neutralidade e pela ênfase no pressuposto das intervenções; sujeitos éticos, pelo compromisso e pelo respeito a si e ao outro; sujeitos políticos, pela intencionalidade de suas ações.
Na constituição desses sujeitos reflexivos, há que se considerar ainda um importante elemento que é a consciência histórica que constrói o ser humano. Sem essa consciência, o mundo passa a ser entendido como uma fatalidade, um determinismo resultante da assimetria na relação do opressor com o oprimido. O saudosismo, o desejo da volta a um mundo em que não havia contestação, o professor tinha status e era o centro da sala de aula, ditando normas, pontos e conceitos, não se coadunam com o professor reflexivo, homem de seu tempo, de passo acertado com a evolução que continua. Vasconcellos (1995, p.67) explica que “o espaço de reflexão crítica, coletiva e constante sobre a prática é essencial para um trabalho que se quer transformador”.
Na sociedade atual, plural e diversa, caracterizada pelos conflitos, incertezas e complexidades, o professor precisa desenvolver uma prática reflexiva no sentido de transformar a sala de aula. As práticas reflexivas na medida em que vai envolvendo o professor em um trabalho coletivo e colaborativo podem constituir um modo de lidar com a incerteza, encorajando a trabalhar de modo competente e ético tendo como meta a melhoria educacional. Construir uma identidade reflexiva é vivenciar, então, uma prática pautada numa identidade social, ética e política.
Por meio do processo reflexivo, o professor tem como resultado, em primeira e em última instância, um estranhamento, uma dúvida, uma interrogação, uma indignação que, em função disso, pode desencadear o pensamento crítico. Até porque, nas situações decorrentes da prática, não existe um conhecimento profissional para cada caso-problema, que teria uma única solução correta. O profissional competente atua refletindo na ação, criando uma nova realidade, experimentando, corrigindo e inventando por meio do diálogo que estabelece com essa mesma realidade. Na base dessa perspectiva, que confirma o processo de “reflexão-na-ação” do profissional, é que se encontra uma concepção construtivista da realidade confrontada.
Espera-se evidenciar o importante papel da profissionalização do professor, elevando o status do saber docente e colocando tal profissional como pólo de referência ao pensamento e à prática pedagógica na escola de educação básica da rede estadual. Tal empreitada passa, obrigatoriamente pela compreensão crítica das razões que antecederam a profissionalização docente e das motivações que impelem ao compromisso com a escola, passando pela análise dos elementos que constituem a identidade profissional construída junto com os saberes docentes, contextualizados na sociedade contemporânea.
Freire reforça a necessidade da postura crítica e da prática reflexiva para compreender o mundo. O professor, em sua prática pedagógica, ao refletir sua ação, deve levar seus alunos a constituírem uma compreensão crítica do mundo. Também salienta que são verdadeiramente críticos os professores que vivem a plenitude da práxis. Isto é, que incorporam na ação uma crítica reflexão que organiza o pensamento e conduz à superação de um conhecimento estritamente ingênuo da realidade. Estes precisam alcançar um nível superior para que os sujeitos cheguem à razão da realidade. Para concretização disso, antes de mais nada, há a exigência de um pensar constante, que não pode ser negado às massas populares, se o objetivo visado é a libertação e a transformação (FREIRE, 1987).
Nesse sentido, a prática docente tendo em vista a formação de um aluno crítico, observador, questionador, exigente, que cobra qualidade, que precisa ser formado cidadão, exige um professor, ele também, crítico de sua ação e sempre pronto a se questionar-se para progredir. Vasconcellos (1995, p. 56) descreve que o professor necessita “conhecer, acolher criticamente, buscar o aprofundamento da proposta da escola; procurar unidade de ação com colegas; postura de investigação em relação à sua disciplina; abertura; não querer ser o dono da verdade; ser observador; saber ouvir; confiar nos companheiros; disponibilidade para aprender; desenvolver a postura interdisciplinar”.
A construção desse processo de reflexão crítica permite aos professores avançar num processo de transformação da prática pedagógica mediante sua própria transformação como intelectuais críticos, isto requer, de acordo com Contreras (2002) a tomada de consciência dos valores e significados ideológicos implícitos nas atuações docentes e nas instituições, e uma ação transformadora dirigida a eliminar a irracionalidade e a injustiça existentes nestas instituições. Como sinaliza Ghedin, (2012) “a reflexão crítica apela a uma crítica da interiorização de valores sociais dominantes, como maneira de tomar consciência de suas origens e de seus efeitos” (p. 170).
Há que se levar em consideração, no entanto, uma questão fundamental explicitada por Aquino e Mussi (2001, p. 225): “A experiência dessa vivência peculiar contemporânea, acreditamos, obriga os sujeitos-professores desse tempo a cogitarem sobre quem são diante das novas ingerências do presente sobre a profissão, quase a exigir que o professor dilate antigos códigos do 'dever ser' da profissão e se insira no interior de seu próprio presente. Que, enfim, ele aprenda a se ver altercado pelas teorias educacionais que o legitimam como um sujeito da reflexão, autodeterminação e autonomia”. Nessa perspectiva, há que se considerar alguns aspectos e algumas atitudes a serem desenvolvidas por aqueles que se desejam profissionais críticos-reflexivos. De acordo com Zeichner (1981), esses professores necessitam analisar e enfrentar os dilemas que se colocam na sua atividade; assumir os seus valores; estar atento aos contextos culturais e institucionais; envolver-se na mudança e tornar-se agente do seu próprio desenvolvimento profissional.
Finalmente, levando em consideração a sociedade plural em que se vive, caracterizada pela conflitualidade, incerteza e complexidade, os professores precisam de desenvolver uma prática reflexiva no sentido de transformar a sala de aula. E a discussão em torno das práticas reflexivas e do professor reflexivo, longe de estarem concluídas, permanecem em aberto. Afinal, muitas perguntas emergem no processo de estudo de tais questões, como por exemplo a percepção que os professores têm sobre a reflexão, como reconhecem seu papel na educação, como constroem suas identidades, como realizam sua prática, entre outras. Assim, as práticas reflexivas na medida em que envolvem equipes de professores em trabalho coletivo e engajado ao Projeto Político Pedagógico da instituição, podem constituir um modo de lidar com a incerteza de modo competente e ético.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010.
AQUINO, J. G.; MUSSI, M. C. As vicissitudes da formação docente em serviço: a proposta reflexiva em debate. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.2, p.211-227, jul./dez. 2001
CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, P. Educação na cidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
__________. Pedagogia do oprimido. 38 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
GHEDIN. E. Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 148 – 173.
GÓMEZ, A. I. P. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa (Portugal): Publicações Dom Quixote, 1992. p.95-114.
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LÜDKE, M. A pesquisa e o professor da escola básica: que pesquisa, que professor? In: CANDAU, V. M. (Org). Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa. Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE). Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
OLIVEIRA, I; SERRAZINA, L. A reflexão e o professor como investigador. In: GTI – Grupo de Trabalho de Investigação (org.). Reflectir e investigar sobre a prática profissional. Portugal: APM, 2002, p.29-42.
PIMENTA, S. G. Saberes pedagógicos e atividade docente. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2012.
RESENDE, L. M. G. O sujeito reflexivo no espaço da construção do projeto político-pedagógico. In. VEIGA, I. P. A.; FONSECA, M. (Orgs.). As dimensões do projeto político-pedagógico: novos desafios para a escola. 2 ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 239 – 256.
SCHON, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.
VASCONCELLOS, C. dos S. Para onde vai o professor? Resgate do professor como sujeito de transformação. São Paulo: Libertad, 1995.
ZEICHNER, K. M. A Formação Reflexiva de Professores: Ideias e Práticas. Lisboa: Educa, 1981.



1 John Dewey (1859-1952) foi um filósofo, psicólogo e educador norte-americano que influenciou, de forma determinante, o pensamento pedagógico contemporâneo. Suas obras foram fundamentais para que o movimento da Escola Nova tomasse impulso e se propagasse por quase todo o mundo, sendo citado, por muitos, como o pai da educação progressista. O enfoque que dava à pedagogia era voltado à experiência prática, sendo, por isso, às vezes, chamada de fazendo e aprendendo.

2 SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York (EUA): Basic Books; 1983.

3 SCHÖN, D. Educating the reflective practitioner. New York (EUA): Jossey-Bass; 1987.

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